Quanta bobagem!

Existe um personagem curioso no romance “O Primo Basílio” (1878), do português Eça de Queiroz. Trata-se do Conselheiro Acácio, famoso por seu formalismo estéril, pedante e por ser autor de frases feitas, conselhos vazios e cheios de lugares-comuns. Representava a mediocridade e o pseudo-intelectualismo dos políticos e burocratas portugueses da segunda metade do século XIX. Lembrei-me dele ao ler a declaração final do encontro dos BRICS. Ela trata de inteligência artificial (IA), assunto que me interessa muito. Raras vezes na minha vida eu li algo tão ruim.

Começa com “A governança colaborativa da IA é complexa, mas possível”, “Foco nos fatos”, “O Interesse Público vem em primeiro lugar” e “Segurança e confiança devem ser inerentes aos sistemas de IA”. Só faltou colocar “A vida é dura” ou “é assim mesmo”.

Tem a palavra mágica e inútil. “A Sustentabilidade Ambiental é um pré-requisito” e “A IA pode levar a um Desenvolvimento Sustentável Colaborativo”. Para um grupo em que seus membros não diminuem uma grama sequer de emissão de carbono na atmosfera e costuma deixar suas florestas arder em chamas, beira o escárnio falar em sustentabilidade.

Percebo a magia no texto quando soltam frases como “A IA deve estar disponível para todos”, “A IA deve ser inclusiva”, “O acesso à tecnologia de IA deve ser justo, equitativo, habilitador e inclusivo”, “Padrões Internacionais devem levar a uma IA inclusiva, representativa e acessível” e “Promover um cenário de IA justo e inclusivo”. Deveriam fazer o básico primeiro que é prover internet de boa qualidade para a população em geral. Não basta colocar a palavra “inclusão” no discurso para ela acontecer. “A IA deve ser uma ferramenta para transformar a educação e a aprendizagem humanas”. Nas décadas de 1990 e 2000, encheram as escolas de computadores. Por vários motivos não deu muito certo. Cito apenas falta de eletricidade e internet em muitos lugares. Infelizmente foram recursos públicos desperdiçados.

Existem mais frases inócuas tratando de “soberania digital”, “regulamentação do mercado”, “propriedade intelectual”, “ecossistema de inovação”, “garantia de trabalho decente”, “maior produtividade”, “abordagem prudente” e a pérola: “a ONU é central para a governança global de IA”. Coitada! Atualmente a ONU não serve para muita coisa. Vide as guerras em andamento no planeta.

Antigamente, inauguravam-se obras incompletas. Atualmente, vivemos a era da inauguração de discursos. A inteligência artificial não é mais o futuro. Logo vem a computação quântica. E por falta de termos em andamento um bom projeto estratégico para o setor, mais uma vez corremos o risco de ficar para trás, à margem dos acontecimentos e da história. Destino de quem perde tempo com besteiras. Viva Stanislaw Ponte Preta e o FEBEAPA!

Autor

Toufic Anbar Neto
Médico, cirurgião geral, diretor da Faceres. Membro da Academia Rio-pretense de Letras e Cultura