Quando Papai Noel Encontra Deus

Três dias depois do Natal, numa manhã de sábado, Papai Noel manobrava suas renas, já próximo de seu lar e bastante esgotado após a longa jornada natalina, quando surge Deus, caminhando pela calçada. Um diálogo, impossível de se imaginar, aconteceria naquele instante.

– Papai Noel, há quanto tempo! Você parece tão cansado…

– Deus! Realmente estou. Você não sabe o que é o Natal…

Na verdade, Deus sabia exatamente o verdadeiro significado do Natal, uma data cristã, originalmente tão bela, mas que estava, agora – segundo tinha notado –, extremamente comercial. Era um Natal cada vez mais estimulado pelo consumo. Papai Noel continuava a lamentar.

– O Senhor não imagina o que é aguentar todas essas crianças pedindo coisas no Natal. Está ficando complicado. Não querem saber de bicicletas ou bonecas, só pedem eletrônicos, celular e computador.

– Meu velho amigo, eu sei bem o que é receber tantos pedidos assim. Eu acompanho sua vida. Mas, pense, meu caso é bem pior. Você só precisa enfrentar isso durante um mês a cada ano, já eu…

Ele falava a verdade, pois recebia pedidos durante o ano todo, de todos os tipos, vindos de todos os lugares da Terra, de crianças, jovens, adultos e idosos. Eram milhões de pedidos diários, algo insuportável.

– Você está reclamando de barriga cheia. Eu aguento isso o ano todo. Todo mundo pede tudo, o tempo todo, sem parar. E não são só as crianças que pedem. Imagine esses adultos choramingando pedidos.

Papai Noel estava mais acostumado com pedidos infantis. Mesmo quando pais e mães pediam ajuda para proporcionar um Natal feliz aos seus pequeninos, tal pedido era direcionado a Deus, não a ele. Lidar com crianças parecia ser bem mais simples. Teve curiosidade:

– Espera. Como você faz para atender tantos pedidos, Senhor? Qual seu critério? Eu preciso sempre ver quais crianças se comportaram bem durante o ano e quais estão apenas tentando me enganar.

Deus silenciou. Seu método não seria revelado, assim, numa conversa informal. Já os critérios do bom velhinho são conhecidos. Os pais sempre falam aos filhos: “se você não se comportar, não ganha presente”. E Papai Noel realmente pergunta: “Você se comportou?”.

Depois de tanto tempo cumprindo o mesmo serviço, Papai Noel deixava, agora, transparecer muitas insatisfações com o comportamento das crianças que atende, de uma chaminé a outra, ao redor do mundo.

– Sabe que às vezes me irrito com tantas crianças que pedem presentes, e ficam pedindo, pedindo sem parar, mesmo tendo aprontado o ano todo? Elas não percebem que não podem nos enganar?

Papai Noel estava certo. Não dava para enganá-lo, muito menos a Deus. O bate-papo seguiu e ganhou um tom mais cômico à medida que eles lembraram de alguns dos pedidos recebidos. Foi só risada.

– O Senhor acredita que este mês um garoto me pediu um carro? Será que ele acreditava mesmo que eu poderia aprontar uma dessas?

– Você não viu nada, Noel. Pior eu que recebo milhões de pedidos de “uma vida melhor”, de quem não mexe uma palha para melhorar. Nesse finalzinho de ano, foram inúmeros pedidos para ganhar na mega-sena…

Essa postura do ser humano, notou Papai Noel, é uma das poucas coisas que deixa Deus irritado. Pedir sem fazer nada para conquistar. Querer tudo sem fazer qualquer esforço, nem mesmo boas ações.

– Muitas pessoas pedem e esperam sentadas. Não é assim que devem levar a vida. Quem realmente quer algo, precisa lutar para alcançar. Às vezes, até sofrer um pouquinho.

O desabafo de Deus chamou a atenção do Papai Noel. Ao girar o mundo, na noite de Natal, viu tantas pessoas clamando a Deus. “As coisas não caem do céu”, concluiu. Será que serão atendidas? Será que fazem por merecer? Será que ele mesmo mereceria? Despediu-se.

Autor

Guilherme Gandini
Editor-chefe de O Regional.