Primeira ação da Comarca de Catanduva

Pouco tempo após a emancipação política do município de Catanduva, foi criada a Comarca Judiciária, pela lei estadual nº 1675-B, de 09 de dezembro de 1919. Sua instalação, porém, veio a ocorrer em 07 de fevereiro de 1920, trazendo grandes benefícios para os moradores locais, que a partir desta data não precisariam mais se dirigir para outras cidades, como São José do Rio Preto, por exemplo, para a resolução de problemas judiciários.

Para quem ainda não sabe, uma comarca é um termo jurídico que designa uma divisão territorial específica, que indica os limites territoriais da competência de um determinado juiz ou Juízo de primeira instância.

A instalação da Comarca representava um grande salto para a cidade, que em vários aspectos ia se desenvolvendo cada vez mais, tanto no setor político, judiciário, social e cultural.

Hoje vou me remeter a relatar a primeira sessão do Tribunal do Júri nesta respectiva comarca.

 

O fato

 

O fato, tanto aguardado pela população, foi realizado às 11 horas do dia 17 de maio de 1920, no antigo Clube Recreativo Sete de Setembro, onde inúmeros populares se dirigiram para o local, que na impossibilidade de entrarem no recinto, tiveram que aguardar várias horas nas proximidades do prédio.

O caso a ser julgado em questão teria se dado por consequência da rivalidade local entre as corporações musicais que existiam no município nesta época e pelos seus tão calorosos fãs.

O caso envolvia os réus Antonio Rutta, Joaquim Bernadino, José Teixeira, João Diego de Aro e Victorio de Truri.

Consta que no dia 26 de novembro de 1919, como de costume, o construtor de obras Carmello De Grande, italiano, proprietário, casado e possuindo 47 anos de idade, se reuniu com seus amigos – Bento Capra, Nicola Baldassara e Octávio Lanza – no botequim de Antonio Anastasio, também de origem italiana, para beber umas caninhas.

Nessa reunião, conversa vai e conversa vem, ora discutindo sobre as qualidades dos queijos nacionais e italianos ou outros assuntos, entrou no estabelecimento (que se localizava na praça da antiga Capelinha de São Domingos, bem na esquina das ruas Minas Gerais e Brasil, onde hoje se encontra uma lanchonete) o comerciante Victorio de Truri, com 34 anos de idade, proprietário, casado, igualmente italiano e morador de Catanduva há muitos anos.

Com o encerramento do assunto que vinham discutindo, o papo tinha-se voltado para as corporações musicais que existiam na cidade naquela época, onde cada um expressava seu ponto de vista e seus gostos particulares.

Foi nesse ponto que começou o desentendimento: de um lado, Carmello se batia pela “italiana”, cujo maestro era Antonio Rutta; já por outro lado, Victorio, com grande entusiasmo, fazia o mesmo com a “brasileira”, que em sua direção contava com o concurso do professor Aristides de Mello.

Em dado momento da conversa – por certo bem exaltado – Victorio afirmou: “Os componentes da banda do Rutta são uns ‘farabutos’, e sendo você Carmello defensor dela, não passa de um ‘farabuto’ também” (farabuto quer dizer homem de má qualidade).

A partir dos recíprocos insultos, seguiu-se uma grande luta corporal. Durante a briga, e quem sabe pelos sentidos desorientados pelos efeitos do álcool, Victorio desferiu ao componente dois golpes de canivetes, acertando um deles o braço esquerdo e o outro o peito de Carmello. Felizmente, sem grandes consequências.

Logo após o incidente, foi aberto inquérito pelo delegado local Dr. Juvenal de Oliveira Romão, que foi o primeiro delegado de carreira da cidade. Nomeados peritos, realizaram os médicos Francisco de Araújo Pinto e Georgino Coura o exame clínico do ofendido.

Efetuadas as tomadas de depoimentos das testemunhas e aceita a denúncia que lhe estava sendo imputada, Victório veio a ser processado.

 

A sessão

 

Esta primeira sessão teve a duração de dois dias. O Juiz de Direito desta sessão foi o Dr. Raymundo Cândido Mergulhão Lobo, além de contar com a presença do promotor Dr. Adalberto Luiz da Silva Exel, além dos 28 jurados e das partes.

No referido caso do Victório, este veio a ser defendido pelo habilidoso advogado Renato Bueno Netto. O corpo de jurados estava composto da seguinte maneira: César Carvalho, Affonso Gomes Barreto, João Guzzo, Joaquim Ignácio da Costa, Juvenal Martins, Miguel Chadad e José Gregório Rodrigues.

Victório acabou sendo absolvido da acusação no dia 18 de maio de 1920. Pelo dito Tribunal de Justiça, tendo sido declarado inocente, a seu favor, o Dr. Raymundo Candido Mergulhão Lobo, proferiu a seguinte sentença: “De conformidade com as decisões do júri e absolvendo o réu Victório de Truri da acusação que lhe foi intentada, mando que se dê baixa de culpa e que o mesmo se retire em liberdade.”

E tudo acabou bem.

 

Fonte de Pesquisa:

- Acervo do Centro Cultural e Histórico Padre Albino

 

Fotos:

Aspecto interior do salão principal do antigo Clube Sete de Setembro, que se localizava na esquina das ruas Brasil e Paraíba. Foto tirada em 1920, onde se realizava o julgamento de Victorio de Truri

Foto da Banda do Rutta, que foi denegrida pelo Victorio: “Os componentes da banda do Rutta são uns ‘farabutos’, e sendo você Carmello defensor dela, não passa de um ‘farabuto’ também” (farabuto quer dizer homem de má qualidade)

Foto da Banda do Professor Aristides, “o brasileiro”, em meados dos anos de 1918/1919

Foto de Antonio Rutta, grande maestro existente nos primórdios de nosso município. Era ele o regente da Banda Gabriele D’Annunzio, mais conhecida entre a população como a “banda italiana”

Autor

Thiago Baccanelli
Professor de História e colunista de O Regional.