Preparar para o futuro?

“E o futuro é uma astronave / Que tentamos pilotar / Não tem tempo, nem piedade / Nem tem hora de chegar / Sem pedir licença, muda a nossa vida / E depois convida a rir ou chorar”.

Eis um trecho da famosa música “Aquarela”, gravada por Toquinho no início da década de 1980. Esses versos trazem um interessante olhar sobre nossa relação com tempo e com a própria vida.

Para mim, particularmente, no papel de professor e gestor educacional, provocam profundas reflexões a respeito do desafio da escola de preparar o ser “para o futuro”. Tarefa difícil, quando se consideram as possíveis volatilidade e efemeridade desse tempo.

Certa feita, ouvi em um congresso a contundente afirmação de um palestrante: “o professor precisa preparar o jovem para o futuro dele [do jovem], e não para o seu presente [do professor]”. A questão é: como fazer isso, se o que temos é o presente?

Neste momento, os leitores mais ansiosos, incomodados, já têm na ponta da língua o parecer reativo de que defendo o viver como se não houvesse amanhã, ao som do “deixa a vida me levar”! De modo algum! Vejo, sim, a necessidade de mudança do nosso sistema educacional e, por conseguinte, da nossa relação com o conhecimento.

Ouvimos com frequência que muitas das profissões de hoje deixarão de existir no futuro. E outras surgirão, obviamente. Uma certeza num mar de incertezas. Nesse caso, a educação, com seu caráter altamente utilitarista, parece “navegar por instrumentos”. Afinal, como preparar alguém para um contexto desconhecido?

Considerando que não estamos falando de cursos técnicos, que exigem atualizações imediatas para acompanharem o desenfreado avanço tecnocientífico, a educação básica precisa de um currículo que leve as crianças e os jovens a adquirir os conhecimentos necessários e a desenvolver habilidades fundamentais para a continuidade dos estudos nas respectivas áreas de interesse, se for o caso, e para o ingresso no mercado de trabalho. O mais importante, porém, é cultivar nesses seres o apreço pelo conhecer, como processo rico, desafiador, transformador e libertador.

Nesse contexto, ganham destaque as competências socioemocionais. Valores como ética, respeito, honestidade, autocontrole, autoconfiança, humildade, curiosidade, criatividade, perseverança, resiliência, empreendedorismo, empatia, amor, entre tantos outros, são essenciais e atemporais.

Com essa formação, ter-se-á um cidadão preparado para qualquer futuro. Aliás, para qualquer espaço-tempo. Se puxarmos pela memória, certamente nos lembraremos de pessoas que, a despeito da rudeza característica da época em que fomos educados, nos cativaram e marcaram com alguns desses atributos.

 

Ênio César de Moraes

Poeta, professor e assessor pedagógico no Colégio Presbiteriano Mackenzie de Brasília

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Artigos de colaboradores e leitores de O Regional.