Pinga de metro em Catanduva

Todo mundo conhece a velha piada do bêbado que, chegando ao bar do português, pediu um metro de pinga. Para não se passar por bobo, o lusitano pegou a fita métrica, riscou um metro sobre o balcão e despejou a pinga sobre o risco. Imediatamente, o bêbado emendou: - Agora, embrulha essa que eu vou tomar em casa.

Também é de conhecimento de todos a velha problemática envolvendo a bebida: a defesa, para os fabricantes e comerciantes, e a crítica, para àqueles que enxergam uma possibilidade de vício e doença. E a ideia do assunto de hoje não é polarizar, nem entrar na discussão sobre a utilização da pinga, mas é perceber que a “pinga de metro” já fazia sentido em Catanduva, em anos passados.

Interessante que em 1949, Carlos Machado já havia publicado um artigo na Revista Feiticeira, no mês de junho, que demonstrava a importância dessa bebida para a o nosso país, no qual transcrevo abaixo.

A Cachaça é nossa

“Quando da realização do último Congresso Estadual de Municípios, na estância balneária de Campos do Jordão, tivemos oportunidade de abordar o problema da discriminação que sofre a nossa cachaça da parte de uma série de estabelecimentos – classe luxo – principalmente hotéis.

Ali encontramos toda espécie de bebida originária de países estrangeiros, tais como uísque, vodka, saquê, tequila, rum, graspa, absinto, ginja, araki, entre outros, sendo expressamente vedada a venda da cachaça, com C maiúsculo!

Uma discriminação que se pode reputar odiosa, sob todos os ângulos, a ponto de se poder aplicar o dito: ‘A cachaça é nossa’, parodiando Monteiro Lobato com o seu ‘O petróleo é nosso’.

Não se deve envergonha-se da cachaça porque, além de ser uma bebida nossa, muito nossa, tipicamente verde e amarela, ainda contribui para uma movimentação econômica financeira de vulto, tanto agrícola como industrial e comercial, oferecendo trabalho para milhões de pessoas.

O alarme que demos durante os trabalhos do Congresso Estadual dos Municípios, teve o condão de equacionar o problema dessa discriminação injustificável, encontrando apoio expressivo, inclusive, de comentarista do jornal O Estado de São Paulo, de Vicente Leporace, no ‘Trabuco’, de Wilson José, da Rádio Nacional e outros, ao lado de certas objeções, que partem sempre de elementos que têm medo de serem sinceros com a bebida ou com o jogo, embora os pratique...

Estamos convictos de que neste Brasil de meu Deus haverá de surgir alguma medida ou ato, até de força, obrigando esses estabelecimentos classificados como de luxo a terem, ao lado das bebidas estrangeiras, a cachaça brasileira.

Marota, Tatuzinho, 3 Fazendas, Crocodilo, Katira, Saci, Cavalinho, Sítio Velho, Canário Real, Pirassununga, Capivara, Jacaré, Bela Juana e tantas outras marcas famosas – e afinal estamos no Brasil – o mesmo lugar nas prateleiras dos bares dos hotéis ditos de luxo, que as mais renomadas bebidas estrangeiras. A cachaça também é nossa!”

Pinga de Metro

E voltando a temática do início da matéria, em 07 de agosto de 1965, o jornal A Cidade, trazia a seguinte notícia, sob o título “Pinga Saci em saquinhos plásticos”: “A reportagem visitou, há dias,

o Depósito de Bebidas de propriedade do Sr. José Júlio Felício, sito à Rua São Paulo, a fim de tomar conhecimento de mais uma singular inovação no comércio de aguardente. Trata-se da nova e interessante embalagem da Pinga Saci, que vem tendo excepcional aceitação em Catanduva e região, bem como em outras cidades do Estado. Consiste essa inovação ao acondicionamento da bebida em saquinhos de material plástico translúcido, à maneira do que ocorre em alguns produtos de toucador.

O Sr. José Júlio Felício ideou a nova embalagem e adquiriu a máquina necessária, inclusive a máquina de plastificação. Os saquinhos contendo uma dose comum da aguardente são produzidos em série uns aos outros em tiras de plástico, destacando-se facilmente as unidades desejadas. O manuseio dos saquinhos é assaz e cômoda, dispensando por outra parte, o uso de cálices, pois a ingestão da bebida se faz diretamente através de um dos ângulos do recipiente, mediante pequena incisão no plástico.

A inovação criou, inclusive, um novo tipo de comercialização da cachaça, pois é comum a solicitação de ‘meio metro’ ou ‘um metro’ de pinga.

Sr. José Júlio Felício

Dentro das pesquisas realizadas pelo professor Sérgio Luiz de Paiva Bolinelli e publicadas em seu Boletim Só 10, na publicação de junho de 2007, este relata que “(...) há cerca de um mês, estive em contato com o Sr. José Júlio Felício propositalmente para perguntar-lhe sobre essa sua inovação. E, pelo que ficamos sabendo, desconhecida até então, e da qual, segundo ele, para evitar problemas com a fiscalização da época, foi tudo devidamente legalizado. Com seu invento em franca aceitação na cidade e região chegou até outros Estados, com a famosa Pinga Saci, de Catanduva”.

Sua aceitação foi crescendo, desde 1965 até 1973, quando, por um triste episódio familiar, muitos de seus negócios foram ficando meio paralisados, incluindo-se a fabricação da pinga de metro com a quebra de uma das máquinas, que só poderia ser consertada em São Paulo. Daí em diante, apesar da procura, ela deixou de ser fabricada. “Infelizmente não guardei nenhum metro de lembrança”, relembra o Sr. José Júlio Felício no boletim já citado.

Fonte de Pesquisa:

- Revista Feiticeira, ano V, Nº XXI, de junho de 1949.

- Jornal A Cidade, de 07 de agosto de 1965.

- Boletim Só 10, na publicação de junho de 2007.

Fotos:

A produção da cachaça no Brasil foi fator importante para a economia nacional. Nesta pintura, engenho de açúcar na Ilha de Itamaracá, em Pernambuco, por Frans Post

Barris de cachaça no Museu de Cachaça, de Maranguape, Ceará

Engenho Espadas, engenho banguê em funcionamento na década de 1950, no Estado de Pernambuco, Brasil

Do dia 01 a 18 de dezembro de 1959 foi realizado, no Recife, o V Congresso Nacional dos municípios Brasileiros. Marcaram presença na capital Pernambucana e estão na foto o Sr. Antônio Stocco, que assumiria pela 2ª vez a prefeitura de Catanduva no início de 1960, os vereadores eleitos Gerson Sodré, Constante Frederico Ceneviva, Carlos Machado, com a esposa Dona Maria Tereza Machado e Lúcio Cacciari com a esposa Dona Orsina Bastos Cacciari

Autor

Thiago Baccanelli
Professor de História e colunista de O Regional.