Pequenos Incêndios por Toda a Parte

As questões relativas à origem, a verdade, a transmissão psíquica transgeracional permeada pelos silêncios e segredos, o refúgio ante a dor e o sofrimento indizível, são temas que geram desconforto e causam impacto para quem assiste, terror para quem vive, mostrando que enquanto não trazemos à luz os segredos, eles atormentam.

Viver tendo que esconder uma verdade, tece uma realidade escondida em si mesma que refuta situações diante de uma vivência que existe para esconder, para não achar, para não poder ser.

Foi assim que me vi assistindo a série “Pequenos incêndios por toda a parte” na Amazon Prime, composta por 8 capítulos densos que contam a história de duas famílias completamente diferentes que se encontram nos excessos, na falta e na dor, e tentam coexistir suas crenças que não sobrevivem a tanto horror.

Não é uma série fácil de assistir ainda mais quando o tempo todo seus diálogos potentes precisam ser digeridos, sobrevivendo ao caos de uma história onde a discrepância fala por si só, deixando sequelas que traduzem dor, terror, angústia.

Elena e Mia partilham uma convivência cheia de ambivalência cuja relação demonstra a difícil experiência que carregam em suas vidas traduzidos em diálogos e silêncios, em sobrevivência diante do horror. De um lado uma mãe politicamente correta, do outro, uma sobrevivente.

Sem dar spoiler do enredo, podemos dizer o quanto a série é rica de diálogos e seguramente na experiência do terror com nome e sem nome, demonstrando que a forma de coexistir divide um labirinto de afetos necessários para transitarem como sobreviventes.

“Pequenos incêndios por toda a parte” vive em algum lugar, talvez numa parte dentro de nós, e nos traz uma importante reflexão dos entremeios das relações familiares que em suas cenas dialogam com a dor da perda, da traição, do parto, da gestação, do aborto, do homossexualismo, da adoção, da arte que cura e traduz angústia, memória e dor, revelando diferentes contextos que se não olhados, comprometem os nomes do amor, e que enquanto se engana fugindo e negando o que se passa, anda-se em círculo e para trás.

Enquanto ambas tentam viver numa bolha idílica, as cenas transcorrem e nos alertam dos enganos que podemos cometer se não paramos para olhar as pessoas, as famílias, a sociedade, as comunidades.

“Curiosamente”, a lutadora politicamente correta sucumbiu com sua família, enquanto que a outra, também lutadora, continuou unida com sua filha, numa relação que foi crescendo a partir das dificuldades.

As pessoas precisam se olhar, necessitam serem olhadas. Do contrário, incendeiam.

Este texto foi escrito ao som da música “Uninvited” com Bellsaint.

Autor

Claudia Zogheib
Psicóloga clínica, psicanalista, especialista pela USP, atende presencialmente e online. Redes sociais e sites: @claudiazogheib, @augurihumanamente, @cinemaeartenodivã, www.claudiazogheib.com.br e www.augurihumanamente.com.br