Penas ao Vento

A palavra fofoca se define no dicionário como aquilo que se comenta com o intuito de causar intrigas, conversas sem fundamento, especulação e satisfação em bisbilhotar e divulgar segredos alheios, um fenômeno que existe desde que o mundo é mundo.

No livro Sapiens, Yuval Harari explica que há uns 70 mil anos atrás esta prática passou a dominar o planeta, utilizada no início como meio de comunicação, desenvolvida através da linguagem verbal pela habilidade cognitiva que exigiu seu uso como meio de precaução frente aos perigos que neste período estimulavam a “imaginação”, tendo seu papel chave na evolução visto que nesta época saber quem odiava quem, e em quem se podia confiar, norteava a validação do indivíduo enquanto moralidade.

Com o passar dos anos esta prática ganhou novo significado, tendo através dos tempos uma má reputação diante do ato de fazer fofoca. O indivíduo fofoqueiro propaga além do que sabe, mais do que acredita com o “simples” intuito de destruir. Se isto não fosse verdade, ele esclareceria os fatos para um grupo de pessoas específico de maneira a contribuir para que a verdade prevaleça, clareando e trazendo luz, contribuindo para que a fofoca não continuasse destruindo e dividindo as pessoas.

Enquanto conta algo para os outros com o intuito de fofocar, engaja pessoas com interesses semelhantes e torna-se uma corrente destrutiva que se identifica num sintoma que denuncia a falta de moralidade de quem espalhou a notícia ou algo que lhe foi confiado, e diz respeito a propagar o que vai comprometer negativamente as relações. O que se observa do fofoqueiro é que ao mesmo tempo que ele fala de alguém para o outro, ele fala deste outro para alguém.

Isto acontece porque na base da fofoca existe um comportamento que denuncia algum incomodo a se investigar, quase sempre um comportamento invejoso e destrutivo no sentido vertical que torna sua angústia e descontentamento de si mesmo a níveis insuportáveis e denunciam uma necessidade extrema de transbordar para continuar “sentindo existência”, onde o outro lembra do que ele não consegue ou não faz consigo próprio, então precisa destruir. Ao falar de alguém busca aprovação e reconhecimento, necessitando deste recurso empobrecido para se validar.

Quando uma fofoca ocorre no âmbito de grupos que têm histórias de vida que se esbarram, o dano pode ser irreparável, e como resultado um clima de desconfiança se instala colaborando para atitudes defensivas e individualistas onde a hipocrisia reina e com ela a desunião, fazendo as pessoas se afastarem, gerando um clima onde fica comprometido estabelecer relações com valor consistente.

Do lado positivo, a propagação da notícia serve por exemplo para avisar que alguém faleceu, comunicar um acidente que exige desvio de rota, para ajudar alguém que esteja necessitando, para informar alguém que tem um cargo de liderança numa empresa ou grupo religioso e que não está agindo de maneira confiável ou positiva, enfim, cria-se uma partilha da informação com pessoas específicas como meio de divulgação rápida e esclarecimento, estancando uma informação destrutiva, esclarecendo a verdade dos fatos.

O triste da fofoca é que mesmo que o fofocado procure algumas pessoas para esclarecer o que de fato ocorreu, ou o que de fato falou para o “fofoqueiro”, reparar pode não dar conta de estancar os desdobramentos que sua atitude foi capaz de gerar na vida da vítima, o dano se perpetuou.

Uma grande amiga já falecida sempre me contava uma história que gosto muito. Ela dizia: fofoca é como subir numa torre e espalhar “penas ao vento” ... é impossível recolher tudo, o vento espalha rapidamente sem tempo para juntar todas as penas. Este é o perigo da fofoca, e quando se viu, o estrago já foi feito, cindiu, detonou.

O fofoqueiro é uma pessoa frustrada e insegura que anda à procura de aprovação dos outros por não se sentir suficiente!

Música “Samba de Uma Nota Só”, com Tom Jobim.

Autor

Claudia Zogheib
Psicóloga clínica, psicanalista, especialista pela USP, atende presencialmente e online. Redes sociais e sites: @claudiazogheib, @augurihumanamente, @cinemaeartenodivã, www.claudiazogheib.com.br e www.augurihumanamente.com.br | Foto: Edgar Maluf @edgar.maluf ©