Passarão, Passarinho

 

Numa tarde qualquer, um belo passarinho verde pousou em nossa casa para, assim como na folclórica expressão – que remete àqueles que, sem motivo aparente, demonstram muita alegria –, trazer-nos uma imensa felicidade e alterar nossa rotina.  

A ave verdejante não veio de longe, mal precisou alçar longo voo de uma das casas vizinhas até nosso lar, em uma aventura única em sua vida engaiolada, para mexer com nosso imaginário. De onde teria vindo? Por que nossa casa? Trazia sorte consigo? 

Era um papagaio tímido, quase mudo, frente aos humanos que desconhecia. Logo, porém, foi colocando suas asas de fora e percorreu o espaço sem sequer voar. Com passos rápidos, acabou por escalar a primeira cadeira para postar-se nas alturas.  

A rotina da casa foi alterada naquela tarde. Percorremos a vizinhança em busca de sua família de criação. Enquanto não a encontrávamos, ele cativou a todos, tentou dialogar, demonstrou confiança, saltitante, nos ombros de quem lhe ofereceu a mão. 

Um fato simples, um pequeno ser de penas coloridas, e num breve estalo todos se envolveram com a novidade que chegara dos céus. A surpresa fez-nos perceber o quão bonita é a vida e como, quando menos esperamos, a boa-nova entra pela janela. 

Fez-me lembrar do verso “Eles passarão, eu passarinho” de Mario Quintana que, segundo a educadora Maria Eliene Fernandes da Silva, transmite a dimensão da beleza de si, possibilidades do voo e liberdade, em contraste aos que passam sem significado.

Fez-me, também, pesquisar a origem da expressão popular “viu passarinho verde”. Diz o folclorista Luís da Câmara Cascudo, no livro Locuções Tradicionais do Brasil, que a tal ave era o periquito, usado para levar mensagens de amor em seu bico.  

A soma dos fatores, portanto, justifica o envolvimento e a paixão quase repentina por um ser tão pequeno que chegou por acaso. É a razão pela qual suspendemos os afazeres diários para acarinhá-lo. Explica porque titubeamos ao devolvê-lo aos donos.  

A cor verde de suas penas, aliás, simboliza paz e esperança. Não poderíamos deixá-las voar sem contestar ou, ao menos, ficar em dúvida. Não no “mundo de hoje”, em que tais substantivos – abstratos na regra, mas concretos para todos – são tão escassos.  

Não sei dizer se essa história toda é real, fruto da minha imaginação, um delírio coletivo ou uma fábula que terá, ao final, ensinamentos morais – como toda boa fábula deve ter.  

Se assim for, o bondoso papagaio, de comportamento e características humanas, poderia ser qualquer outro animal, uma planta, um objeto e até a força da natureza. Ou alguém que nos abriu os olhos à beleza da vida. 

 

Autor

Guilherme Gandini
Editor-chefe de O Regional.