Para todos

Poucos se lembram de maiores detalhes da primeira infância, mas todos ainda guardam certas reminiscências do passado mais longínquo, como flashes de cenas de um filme visto há muito tempo. Conforme vamos avançando nessa existência, o espelho retrovisor vai deixando para trás pessoas, acontecimentos, cenas, e mesmo crenças e convicções. Aquilo que costumávamos ser, física, psicológica e mentalmente, vai se transformando lentamente e nós, distraídos, às vezes nos assustamos ao olhar fotografias do passado.  

Temos estado distraídos. Esse é o ponto.  

Sabemos, desde adolescentes, sobre o início e o fim dos enredos pessoais dessas nossas existências. Elas começam com o nascimento e terminam com a morte, e nessa estrutura da existência humana não existe novidade, variação, surpresa ou mistério. É assim. Sempre foi assim. E sempre será. Não se confunda tal constatação com fatalismo ou pessimismo, é apenas fato: isso que chamamos de corpo, que enxergamos no espelho e reconhecemos como sendo “eu” será (em breve) pó.  

E isso não é ruim. É apenas a Natureza fazendo o que lhe cabe, transformando as coisas através do fluxo da energia pelos processos cíclicos. É ruim quando chega o inverno? É ruim quando o sol se põe? É ruim quando expiramos? Ou esses são apenas momentos preciosos que anunciam a vinda de uma outra primavera, de um outro dia, de um outro inspirar?…  

O problema não é do enredo (e do spoiler sobre o seu ato final), mas de certas crenças que limitam a nossa apreciação: cremos que toda a vida se resume a um capítulo e nos confundimos com os personagens que representamos. E por isso, quando termina o período de validade de um corpo acreditamos que a vida acabou e nos entristecemos.

Mas nascimento e morte não me parecem início ou fim, mas apenas a passagem entre dois capítulos da história que está sendo escrita e vivida. Creio que aquilo que chamamos de “morte” é somente o término da nossa atuação em determinado personagem. O que vem depois ou o que existia antes de incorporarmos o atual personagem eu honestamente não sei, e o tema fica para as nossas pesquisas, estudos e reflexões pessoais. Mas tenho a convicção de que a verdadeira vida tem natureza espiritual e, exatamente por isso, antecede e sobrevive à existência física.  

O que me parece todavia mais importante é lembrar da impermanência, manter a atenção voltada para o fato de que temos pouco tempo nessa atual experiência e que em breve seremos levados para outras. Essa existência é tão preciosa não pelo que podemos adquirir e usufruir materialmente, mas pelo que podemos gerar de benefícios aos seres, pelo que pudermos descobrir e implementar sobre as verdadeiras causas da felicidade de todos. Cada momento é uma oportunidade única. E posso dizer pela minha experiência pessoal como é fácil não fazer nada, e como pode produzir resultados maravilhosos fazer algo!…   

Não acredito em grandes ações. Não acredito em heróis. Não acredito em salvadores. Acredito em pessoas que se disponham a fazer pequenas coisas. E acredito que pessoas comuns, como eu e você, juntos, fazendo pequenas coisas em benefício dos outros, e assim, despretensiosamente, acredito que podemos mudar o mundo, tornando-o melhor não para mim, não para você, mas para todos.

Autor

Wagner Ramos de Quadros
É presidente da ARCOS e articulista de O Regional.