Para Sempre
"Aquilo que herdaste de teus pais,
conquista-o para fazê-lo teu".
Goethe
Pessoas fazem acordos que nem sempre conseguem entender sua dimensão e o que de fato estão querendo, e entram numa relação desconsiderando que individualmente cada um traz consigo uma história familiar que estará presente na maneira como cada um se relaciona com o outro.
Quando estabelecem relações tendo presente as questões relativas aos comportamentos herdados, e estando consciente que a partir da dupla uma nova maneira de ser terá que se estabelecer, os vínculos terão sustentação para enfrentar os piores e melhores momentos.
Nascemos na pulsão de vida e de morte, e ter conhecimento deste funcionamento conseguindo se olhar individualmente e conhecendo a própria ambivalência, facilita compreender a dimensão dos acordos que deverão ser renovados diariamente.
A herança transgeracional quando não considerada e tratada individualmente, poderá criar obstáculos para a constituição da subjetividade individual numa história que não nos pertence e que carregamos por representações herdadas em situações não simbolizadas e que favorecem repetições destrutivas.
Como consequência, um processo de transmissão que aliena nos torna ausentes de nós mesmos, sujeitos de repetições e de acordos destrutivos que nos aprisionam em fantasias que não foram reorganizadas, reestabelecidas por limites entre o público e privado, sendo os elementos inconscientes transmitidos através do sujeito e não entre eles e que acabam por favorecer a perpetuação de segredos e destruição que dificultam a transformação e que funcionam como repetição daquilo que não foi tratado individualmente.
Enquanto as singularidades não são vistas, permanecemos em acordos destrutivos num “para sempre” que foi estabelecido e que se mantém pela força da pulsão de morte e que adoecem conexões alimentadas por mitos e fantasias que denunciam uma dinâmica permeada por conflitos. São os “conluios psicóticos” que funcionam para manter aquilo que não foi tratado e que mantém acordos emocionais destrutivos.
Cada família possui particularidades estabelecidas a partir de padrões de organização que definem papéis e regras dos quais seus membros utilizam como referência para se relacionarem entre si, um modos de organização interna que deveria partir das experiências internalizadas e que na formação da dupla condensam novos acordos e projetos num querer juntos, sem interferência de familiares ou grupos. Do contrário, será catastrófico.
Quando aspectos traumáticos, patológicos e sintomas não são considerados e tratados individualmente, a reprodução dos conflitos será a tônica da relação, perpetuando traumas que não tiveram espaço para reparação porque não foram considerados como importantes. E repetem, se machucam, adoecem, ficam unidos pelo desamor.
É comum vermos duplas e grupos vivendo um “para sempre” de dor porque não conseguem se olhar individualmente a ponto de simbolizar sua herança, transformando-a em algo que lhe é próprio e que foi restabelecido numa nova elaboração, definido pelo desejo de querer construir juntos. São aqueles acordos que se mantém pela destrutividade, transmitindo traumas escondidos que não foram elaborados.
Duplas que desejam viver o “para sempre”, deveriam ter presente que este acordo necessita ser renovado diariamente e sem interferências, a partir de um desejo individual de querer que dê certo, entendendo que a construção e manutenção que os faz crescer juntos se manterá a partir de um não aprisionamento de acordos estabelecidos pela pulsão de morte, mas considerando o desejo dos dois.
O “para sempre” é todo dia, na liberdade de cada um ser o que quiser, com respeito, dedicação, considerando que as coisas podem mudar o tempo todo e que nada é garantia de nada, o que temos é o desejo e o empenho, a coragem.
A psicanalise oferece um espaço de escuta para ressignificar e simbolizar conteúdos que pertencem a vida psíquica do indivíduo, e estimula transformações de representações herdadas pelas gerações onde o fortalecimento dos vínculos será a grande possibilidade de renascimento da subjetividade marcada por um mundo mental que não é alienante.
Quando entendemos as diferenças individuais, familiares e entre gerações, respeitamos as singularidades e reinventamos a vida juntos.
Caso contrário, estaremos reproduzindo o que ainda nos é desconhecido, mas que se faz presente como um som sem melodia que perturba e nos causa estranhamento. Precisamos nos apropriar de nós mesmos e conquistar quem de fato queremos ser.
Música “Mesmo Se Você Não Vê” com Tim Bernardes.
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