Os quatro cuidados fundamentais
Não importa a idade. Não importa o estado de saúde. Não importa nem mesmo a distância. Não importa a classe social ou o nível de parentesco. Cuidar do outro foi a condição para a sobrevivência do ser humano como espécie e é, hoje, a condição fundamental para a nossa existência como indivíduos. Quando nos esquecemos, por um certo tempo, de um desses cuidados, uma sombra se alonga e um vazio se estabelece. De todos os males que existem no mundo, o pior é o mal da indiferença. No entanto, é o mais fácil de curar. Basta o exercício destes cuidados, a saber:
OLHAR – Olhar nos olhos, não desviando nunca o olhar. Olhar com interesse, que é a vontade de estar ali, naquele momento e naquele lugar. Olhar com os olhos vivos de expressão, brilhantes de alegria pela oportunidade de poder pousar os olhos naquele rosto, naquele outro ser. Olhar com gosto de quem sabe que, dos prazeres da vida, o contato humano é um dos mais intensos.
OUVIR – Esse que é o nosso primeiro e último sentido, define quem somos, porque somos o que os outros ouvem de nós. Se ninguém me ouvir, é como se eu não existisse, fosse um saco de papel movido pelo vento, fazendo piruetas na tarde quente e poeirenta. Então, ouvir, sem distração, capturando cada palavra (enquanto o olhar captura os gestos), cada modulação, cada interrupção, cada silêncio entre as palavras que são ditas. Ouvir para que o outro saiba que existe para mim, por meio de suas palavras (risos, soluços, gemidos) e por meio da minha atenção.
TOCAR – Para que a voz e o olhar ganhem a materialidade de uma mão amiga. Tocar de leve, como quem oferece equilíbrio ou repouso. Tocar para dizer que está aqui, próximo, presente. O toque pode ser profundo, como os lábios que encostam no topo da cabeça de mãe. Pode ser brincalhão, despenteando os cabelos da criança que ri segura e feliz. Pode ser íntimo, apaixonado, como os lábios que se encontram enquanto o corpo treme. Pode ser forte, intenso, como as mãos que se apertam depois de acordo firmado, da promessa assumida. Pode ser tímido, tênue, quase transparente, no flerte que começa uma nova história de encontros.
DIZER – Escolhendo as palavras, o tom, o ritmo. Dizer o que é melhor para apaziguar, para transformar as palavras em um remanso, uma rede de varanda, uma sombra de árvore. Ou para tornar as palavras um sol de meio-dia, um frevo, um almoço com comida de panela de barro e fogão a lenha. Dizer com palavras que carregam o fio do tecido de sua própria alma e vão construindo uma tessitura comum, nascendo novas imagens e coisas das palavras conhecidas, mas coladas de um jeito diferente dessa vez. Dizer, prestando atenção ao efeito do dito no olhar, nas rugas do rosto, no enrijecer ou no tranquilizar do corpo, cujo contato com nosso corpo se faz por meio da mão, do braço, dos lábios, da parte que se desejar.
Esses quatro cuidados fundamentais existem na quantidade e oportunidade que quisermos e pudermos oferecer. Se somos sovinas, os afetos tristes predominam. E são inúmeros os caminhos do adoecer. Mas olhar, ouvir, tocar e dizer, se não faz milagre, chega muito perto da magia. A magia de cuidar de alguém.
Daniel Medeiros
Doutor em Educação Histórica e professor
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