Os dois brilhos da aliança

No casamento, a aliança brilha continuamente porque é usada continuamente. O brilho natural surge do uso e o uso (porque se arrisca na vida) gera riscos, que brilham mais enquanto partes do que brilha o todo que foi anterior e artificialmente polido. Ou seja, um é o brilho objetivo e padronizante que a peça recebeu pelas mãos do joalheiro; e outro é o brilho que surge do uso, da peça sendo batida fisicamente e combatida metafisicamente na vida real.

O arranhão recente e parcial brilha mais que o polimento antigo e total, ainda que desfaça a superfície uniformemente espelhada. O sulco do arranhão ocasional no ouro brilha mais que a superfície intocada pelas adversidades “aleatórias”; superfície intocada desde que o ourives terminou seu serviço intencional de polimento e encarcerou a peça de sabe-se-lá-quantos-quilates no expositor, na vitrine, no cofre.

Comprada na joalheria e guardada na caixinha de veludo, a aliança fica opaca. O tempo não a desgasta, mas a “suja” entropicamente, tira do ouro seu raiozinho de sol, sua centelha de luz acessível da Luz Inacessível, porque aquilo que não cumpre sua missão se deteriora de uma forma ou de outra. O ouro foi lustrado, mas perde gradativamente o brilho e fica embaçado.

O brilho natural vem com os esbarrões, com as quedas, nos atritos com entes e seres de “outros quilates” existenciais. Riscos sobre riscos (riscos finos, riscos grossos, riscos superficiais, riscos profundos, riscos retilíneos, riscos curvos: riscos) se reúnem do caos do mundo e se unem no propósito do altar: na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, na riqueza e na pobreza — na ordem das desordens que o juramento e a persistência diária constroem dia após dia, tempo após tempo.

O brilho da realidade, o brilho do que é como é, o brilho polido pela rotina, o brilho da imperfeição que ilumina e clareia o cotidiano imperfeito, o brilho da aliança entre dois seres imperfeitos que escolheram mutuamente se aperfeiçoar no atrito próprio dos relacionamentos, dos riscos arriscados riscados no ouro que anela o dedo anular…

Autor

Dayher Giménez
Advogado e Professor