Onda nova

Atletas femininas formam o primeiro time de mulheres assim que a Ditadura Militar começa a perder forças, o ‘Gayvotas Futebol Clube’. De espírito livre, contra qualquer tipo de preconceito, elas curtem a vida de forma plena, enquanto lidam com problemas familiares e se preparam para uma partida contra a Seleção da Itália.

Alvo de censura na época por causa de cenas eróticas, ‘Onda nova’ (1983) retornou aos cinemas brasileiros no fim de semana passado, em cópia restaurada e remasterizada em 4K, um trabalho minucioso feito pela Cinemateca Brasileira, que digitalizou o material - os negativos originais de 35mm de som e imagem foram restaurados com coordenação e supervisão de Julia Duarte e Aclara Produções, com apoio da família de um dos diretores, José Antônio Garcia, falecido em 2005, da Zumbi Post e JLS Facilidades Sonoras. É uma comédia anárquica libertária, produzida no final do ciclo da Pornochanchada, nos últimos suspiros da Ditadura Militar, em que as pessoas pediam liberdade contra o autoritarismo. É um apanhado de historietas de personagens femininas que jogam num time de futebol, o Gayvotas – repare na palavra ‘Gay’, fundado no ano em que o esporte foi regulamentado no país, após 40 anos banido. Elas sonham com o futuro, almejam uma carreira, desfrutam do amor e do sexo sem se preocupar com pudor ou puritanismo.

Na época, a censura apontou a comédia como ‘amoral’, pois, segundo os censores, fazia apologia à bissexualidade, ao amor livre e ao comportamento sexual irresponsável – ele foi vetado assim que teve a première na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em 1983, e só voltaria aos cinemas um ano e meio depois - e olhe só, o filme foi reexibido nessa cópia restaurada na última edição da Mostra de SP, em outubro de 2024.

Uma obra vibrante, engraçada, que também fala sobre sexismo no esporte e como quebrar essas barreiras. Há sim cenas de sexo a la Pornochanchada, mais erótico e subentendido do que explícito, e mesmo assim, por aparecer corpos nus na tela grande, causava burburinhos. No elenco temos rostos conhecidos do cinema daquele período, como Carla Camurati, Cristina Mutarelli, Regina Casé, Cida Moreira, Tania Alves e Vera Zimmermann, participações especiais dos grandes veteranos Sérgio Hingst e Ênio Gonçalves, dos jogadores Casagrande e Pitta, do cantor Caetano Veloso e do falecido ator argentino Patricio Bisso num irreverente papel feminino, como era de costume - ele também foi figurista de filmes importantes.

Assisti a ‘Onda nova’ há uns 20 anos numa sessão do Canal Brasil, mas na cópia antiga - se puder veja na tela grande, pois a restauração em 4K está excelente, é outro filme. Em cartaz em 20 cinemas brasileiros, como São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Belém e Brasília, com distribuição pela Vitrine Filmes. Classificação indicativa de 18 anos. Uma curiosidade – o novo pôster foi recriado pelas mãos de Helena Garcia, filha do cineasta José Antônio Garcia, que fez o filme ao lado de Ícaro Martins – juntos a dupla dirigiu comédias do final da Pornochanchada, como ‘O olho mágico do amor’ (1982) e ‘A estrela nua’ (1984), todas com Carla Camurati.

Observem a trilha sonora com hits do início dos anos 80, ‘Cor de rosa choque’ e ‘Agora só falta você’, de Rita Lee, ‘Beat it’, de M. Jackson, e Laura Finocchiaro cantando a canção título, ‘Onda nova’. A montagem é do meu querido amigo e meu conterrâneo catanduvense, o já falecido Eder Mazzini, montador de dezenas de longas brasileiros.

Onda nova (Idem). Brasil, 1983, 103 minutos. Comédia. Colorido. Dirigido por José Antônio Garcia e Ícaro Martins. Distribuição: Vitrine Filmes (nos cinemas)

Autor

Felipe Brida
Jornalista e Crítico de Cinema. Professor de Comunicação e Artes no Imes, Fatec e Senac Catanduva