Obsoleto

Aviso aos leitores: sou formado em datilografia! Fui muito bem treinado pela dona Eukiko e o senhor Watanabe. Este diploma, que guardo com carinho, figurou no meu currículo por muitos anos. Jovens não tem ideia do que seja. Meus contemporâneos vão dizer que, passados 50 anos, não faz diferença ter uma competência deste tipo. Talvez seja verdade. O mundo muda em tempo real. Algumas coisas ficam para trás.

Tem profissões que a tecnologia engole. É cada vez mais comum o pensamento utilitário defendendo que compensa mais jogar fora algo quebrado e comprar um produto novo do que consertar. Com este pensamento supostamente prático, vão embora alguns verbos. Cerzir meias. Ressolar um sapato. Revelar uma fotografia. Quarar a roupa. Amolar as facas e tesouras. Fico preocupado porque cada vez que a humanidade deu um grande salto tecnológico, as pessoas que perdiam seus empregos acabavam se readequando. Não é o que está acontecendo. Os relacionamentos humanos começaram a ficar cada vez mais complicados. Exagero nos direitos, escassez nos deveres e terceirização das responsabilidades. A transformação digital e inteligência artificial estão ceifando os empregos e o contato humano.

O mundo está cada vez mais complexo. Praticamente tudo é conectado e interdependente. Se acaba a energia, não se faz praticamente nada. Há tempos não via um catastrofista. Não sei por que, mas recentemente me apareceu um anúncio sobre como sobreviver diante do fim do mundo. Daqueles do tipo “faça você mesmo: plante vegetais comestíveis, crie animais que lhe fornecerão proteínas, desenvolva um projeto que forneça energia independente da rede e aprenda a estocar água e comida”. Chamou-me a atenção o fato de que tudo se parece com uma fuga das “armadilhas” da vida moderna. Algo do tipo “volta às raízes” ou “não quero mais brincar neste parquinho”. Não sei se viver como um eremita é a solução. Só sei que isolado ou não, o mundo vai seguir seu curso.

A verdade é que cada vez menos vão tocar as suas músicas. E aquilo que tocarem, será num volume cada vez mais alto. Seja porque a intolerância ao barulho aumenta junto com a idade ou porque simplesmente estão tocando em volumes cada vez mais insuportáveis mesmo. Vão reprisar cada vez menos os seus filmes, os repórteres da televisão serão cada vez mais jovens e desconhecidos.

Sei que vai chegar na minha profissão. Logo surgirá um programa do tipo “diretor inteligente 4.0”. Provavelmente fará melhor do que eu um monte de tarefas. E aí terei que me readaptar. Pensando nisso, já comecei a me atualizar em modernas técnicas de panificação. Para quem nasceu e cresceu dentro de uma padaria, nada mais natural do que “da farinha viestes, para a farinha voltarás”. Pode parecer meio simplório, mas quem come pão é feliz. Isso sim é antigo!

Autor

Toufic Anbar Neto
Médico, cirurgião geral, diretor da Faceres. Membro da Academia Rio-pretense de Letras e Cultura. É articulista de O Regional.