O voo de Rolim em Catanduva

Um dos maiores nomes da aviação privada brasileira é o de Rolim Adolfo Amaro, nascido em Pereira Barreto, interior de São Paulo, e que deixou sua marca na história da aviação brasileira, pilotando com garra a arrancada da TAM no mercado nacional.

Sempre teve uma vida de muito esforço e luta, onde, por exemplo, largou a escola no terceiro ano ginasial, em 1957, para ajudar nas despesas da casa. Foi assistente de mecânico, aprendiz de escrevente e office-boy de banco, em São Paulo. Apaixonado por aviões desde a infância, voltou para o interior e, com o dinheiro duramente economizado, pagou sua inscrição no curso do aeroclube de Catanduva. Concluiu o curso de piloto em 1958, obteve o brevê, foi para Londrina e conseguiu emprego na Táxi Aéreo Star, onde pilotou sozinho, pela primeira vez, um Cessna 140 de dois lugares.

Desenvolvimento

Com a implantação dos grandes projetos agroindustriais na região noroeste de São Paulo, voltou para São José do Rio Preto, em 1959, e passou a trabalhar na empresa Táxi Aéreo Riopretense. Entrou como piloto na Táxi Aéreo Marília S.A, a TAM, em 1962, empresa fundada por um grupo de dez aviadores, passando a trabalhar diretamente para o industrial do açúcar Orlando Ometto, passando três anos transportando arroz, carne, tijolo e até animais, voando sozinho e cuidando da manutenção do avião. Ganhou bastante dinheiro, mas pegou malária sete vezes. Nesse meio tempo, o Grupo Ometto comprou 51% das ações da TAM e mudou a sede da empresa para São Paulo.

Rolim deixou a TAM e, quando estava trabalhando na VASP, recebeu um convite do Banco de Crédito Nacional. A instituição tinha o avião, mas precisava de piloto para a Companhia de Desenvolvimento do Araguaia. O salário era alto e lhe permitiu economizar para comprar seu primeiro avião, um Cessna 170 (1966), com capacidade para três passageiros. Mudou-se com a família para o município de São Félix do Araguaia e, mesmo atacado pela maleita, fundou sua empresa, a ATA - Araguaia Transportes Aéreos. Em dois anos montou uma frota com 15 aeronaves, maior do que a frota da TAM.

No ano de 1968 foi convidado pelo grupo Ometto a ser acionista minoritário da TAM, possuindo 33% das ações. Embora a empresa não estivesse em boa situação, inclusive com um patrimônio líquido insuficiente para pagar as contas, aceitou a oferta em função das constantes crises de maleita, muitas em pleno voo. Investindo toda sua competência, comprou metade das ações da TAM, em 1972, e assumiu a direção da empresa. Modernizou a frota e fez a empresa crescer, comprando, um ano depois, 10 novos Cessnas 402, os primeiros aviões brasileiros equipados com radar, inaugurando a linha regular entre São José dos Campos e Rio de Janeiro, em 1975, e um novo voo São Paulo-Araraquara, além de passar a ser o principal acionista do grupo, com 98% das ações, em 1976, fazendo a empresa já ser vista como um fenômeno. Enquanto a aviação crescia 15% a cada ano, a TAM aumentava 70% a cada seis meses.

Sucesso da TAM

Finalmente assumiu a totalidade das ações da TAM em 1979 e entrou na década de sua consolidação com a chegada dos Fokker F-27. A TAM alcançou a marca de um milhão de passageiros transportados desde a sua fundação e de dois milhões de passageiros transportados em 1984, conquistando o prêmio Top de Marketing por conta da qualidade do serviço que oferecia.

A empresa ganhou mais visibilidade com a chegada dos Fokker F-100 (1990), inaugurando a aviação a jato e de alto padrão no transporte regional e caminhou para ser a melhor companhia aérea da América Latina.

Criou o serviço Fale com o Presidente e atingiu a marca de oito milhões de passageiros em 1992, transportados desde a sua fundação, criando um novo estilo de voar, com traços de informalidade e preocupação em valorizar cada passageiro. Lançou o Cartão Fidelidade e criou a Fundação Eductam, para dar bolsas de estudos aos carentes, apoiar obras humanitárias e participar de projetos culturais e esportivos, criando, também, o Museu Asas de Um Sonho, para preservar a memória e a história da aviação.

Comprou um aeroporto desativado no interior de São Paulo para criar um museu de aeronaves antigas, onde montou a maior e uma das únicas coleções de aeronaves antigas do país, e um centro de manutenção da TAM. Foi eleito o homem de vendas do ano (1994) e inovou aceitando em sua tripulação a primeira comandante mulher. A revista Exame elegeu, pela primeira vez, a TAM a Melhor Empresa Aérea no setor Transportes, em Melhores e Maiores, e a revista Air Transport World a nomeou a melhor empresa aérea regional do mundo. Mostrou toda sua habilidade para divulgar a imagem da TAM depois que seis acidentes envolvendo aeronaves da companhia ameaçaram abalar a prosperidade da empresa.

Acidentes

O pior deles aconteceu logo depois de ser eleita a melhor empresa do setor, quando o vôo 402, um Fokker 100, que fazia a ponte aérea Rio-São Paulo sofreu uma pane e caiu logo depois de decolar do Aeroporto de Congonhas, matando 99 pessoas, em 31 de outubro de 1996. Depois do acidente, "o comandante" passou a receber os passageiros de alguns voos que saíam de Congonhas na escada dos aviões, numa tentativa de recuperar a imagem da companhia. Depois disso, suas cartas e vídeos dirigidos aos passageiros tornaram-se uma constante nos voos da TAM. Um ano depois, uma bomba explodiu durante um voo, matando um passageiro. A partir daí, a TAM passou a adotar uma estratégia de marketing ainda mais agressiva e para continuar crescendo, ele tinha acabado de encomendar 100 aviões da Embraer.

Adquirindo a Helisul em 1996, onde expandiu as atividades para o sul do país, e mudou a denominação da Brasil Central para TAM-Transportes Aéreos Meridionais, que passou a ser a empresa aérea nacional do grupo, passando a operar sem restrições em todo o território brasileiro, além de voos internacionais. A empresa foi eleita a mais rentável do país pelo jornal Folha de São Paulo, a mais rentável do mundo pela revista Airline Business, e ganhou o Grand Prix de anunciante do ano no Prêmio Colunistas, do Caderno de Propaganda e Marketing (1996), enquanto o comandante recebia o Prêmio Excelência 1996, da Associação dos Engenheiros do ITA - Instituto Tecnológico de Aeronáutica. Adquiriu 80% das ações da Lapsa junto ao governo do Paraguai e formou a TAM Mercosul, com concessão para rotas na América do Sul e Europa a partir de Assunção.

Fechou o acordo de code sharing com a American Airlines para operar na linha São Paulo-Miami e comprou cinco aviões AIRBUS A330-200, em 1997. Realizou o primeiro voo para a Europa em 1999, com destino a Paris em parceria com a Air France. Sua empresa é reconhecida como uma das mais modernas do mundo com um total de 98 aeronaves, sendo 58 jatos com mais de 100 lugares.

Morte

Infelizmente, após passar o fim de semana em sua fazenda em Ponta Porã, na fronteira do Mato Grosso do Sul com o Paraguai, morreu durante um passeio de helicóptero, quando o aparelho caiu e explodiu próximo ao vilarejo Fortuna Guazú, que fica no município de Pedro Juan

Caballero, no Paraguai, em 2001, a 25 quilômetros da fronteira. Deixou viúva e três filhos, dois deles já seguindo os passos do pai, na direção da TAM, e a empresa na posição de a mais rentável do país.

Situação precária em Catanduva

“Aos 18 anos, Rolim foi às escondidas para Catanduva tratar do brevê. O curso de aviador era caro. Para formar-se eram necessários 45 horas de voo e seu dinheiro, conseguido com a venda de uma lambreta, só pagava 22. Mesmo assim, mudou-se de Fernandópolis para Catanduva, desfazendo-se também de alguns objetos pessoais: anel, despertador, calça de linho, uma jaqueta de couro e até o radinho de pilha de estimação, levando consigo uma única calça preta para não denunciar a sujeira, um solitário par de sapatos, dois pares de meias e duas camisas do modelo conhecido na época como “volta ao mundo”. Durante o dia se oferecia de graça para pequenos serviços no Aeroclube e à noite, com um biribinha emprestado, fazia ponto na cidade onde faturava alguns trocados. Morava em Catanduva, numa pensão barata, na Rua Pernambuco com uma única refeição por dia; ou almoçava, ou jantava. Comera tanto bife de fígado que não podia ver mais o prato. Quando fez as horas de voo para ser brevetado não tinha nenhum centavo e faltava pagar 10.000 cruzeiros, que era a taxa de inscrição do exame final. Ao recorrer a um tio, teve que dar meia volta. Ele lhe disse que o sonho da sua mãe era vê-lo como balconista das Casas Pernambucanas e que ele preferira ir atrás da aviação, coisa de vagabundo e louco, portanto que fosse trabalhar. Muitos anos mais tarde, instalado no escritório com vista para os seus aviões, que decolavam a todo o momento em Congonhas, diria que um amigo surgira toda vez que estivera necessitado. “As pessoas não podem perder a fé”, afirmava, “não devem se entregar, por maior que seja o problema”. (Trecho do livro O sonho brasileiro, de Thales Guaracy).

Fotos:

Foto tirada em 07 de agosto de 1997, quando o Comandante Rolim Amaro, proprietário da TAM visitou Catanduva. Na foto, podemos encontrar, da esquerda para a direita: José Morando Bueno – presidente do Aeroclube; Domingos Augusto Manfrin; Rolim Amaro; Mayrton Monteleone; e José Pedro da Motta Salles

Nesta foto temos o Sr. José Pedro da Motta Salles, com o avião Cesna 180, PT-CCE, tirada no ano de 1964. Ele frequentava o Aeroclube e é da época em que o Comandante Rolim Amaro foi ali brevetado

Destroços do helicóptero pilotado pelo comandante Rolim, que caiu próximo à fronteira com o Paraguai, ocasionando sua morte, no ano de 2001

Data da inauguração do novo aeroporto de Catanduva que antes ficava do outro lado da rodovia Washington Luiz, em 28 de julho de 1951. Na foto, o brigadeiro Henrique Dyott Fontenelle, Paulo Daltin, Rafael Dias, prefeito municipal Antonio Stocco e Gentil de Ângelo

Autor

Thiago Baccanelli
Professor de História e colunista de O Regional.