O tempo e os traumas

O que Freud denomina tempo nos permite compreender a atemporalidade implícita do inconsciente quando nos referimos ao cronológico. No entanto, quanto mais tempo carregamos traumas sem parar para entender sua origem e efeito em nossas vidas, mais padecemos de suas consequências.

Uma cena traumática não encontra sentido em si mesma, mas se configura trauma quando transformada em representação ou lembrança,  evocada por uma segunda cena representável, passando então a receber um sentido, e sua eficácia não é produto de um acontecimento distante, mas do enlace entre duas situações que, do ponto de vista cronológico não precisam necessariamente estar em relação.

Na psicanálise, o trauma é compreendido em diferentes tempos que envolvem: a experiência inicial, a repetição de memórias, e o retorno do que recalcamos.

A experiência inicial diz respeito a vivência intensa que o sujeito tem geralmente na infância que, com o passar do tempo revive a ponto de gerar um circuito de sofrimento, fazendo-o sentir medo, culpa, vergonha, e outros sentimentos que o fazem repetir a dor e o sofrimento, que enquanto recalcado, atrapalham as experiências da vida cotidiana.

Vivências traumáticas estão na base da formação do sintoma que, enquanto ficam retidos no corpo sem serem lembrados, perturbam o equilíbrio entre o ego, o id e o superego, e reúnem efeitos do trauma em que se observa a expressão que domina uma ou outra tendência do indivíduo.

Freud no início de sua teoria pensava no trauma como produto de situações unicamente reais, mas observando seus pacientes, concluiu que muito daquilo que eles narravam, remetiam ao campo da fantasia, e essa dimensão imaginária por si só, também possuía força suficiente para provocar impacto, concluindo que os traumas são experiências reais ou imaginárias que evocam consigo afetos aflitivos como susto, angústia, dor, vergonha, nojo, culpa, e aparecem como um corpo estranho que se aloja no psiquismo, e, ao mesmo tempo, desestabiliza seu sistema, e produz em muitos casos um circuito repetitivo de dor porque habilita um modo de satisfação do sujeito que é substituído pela dor.

A partir disto, afetos, sentimentos e emoções decorrentes do trauma ficam retidos, fazendo-o vivenciar um sofrimento que parece não ter fim, e quando não tratados, reaparecem em outros sintomas de destruição como forma de esvaziar aquilo que, estando dentro dele, precisa ser evacuado, repetindo uma forma infantil de satisfação que está deformada pela censura que surge do conflito.

Os traumas estão na etiologia principal das neuroses, somatizações e psicoses, e quanto mais cedo tratados, maiores serão os benefícios ocasionados pelo contato do indivíduo consigo mesmo, instaurando nele seu lugar de apropriação de sua própria experiência e escolhas.

Por isto dizemos que o investimento do tratamento para qualquer indivíduo é para a vida toda, sempre, e para todos sem distinção.

Música “Charme do Mundo” com Marina Lima.

 

Foto do acervo @auguri_humanamente©

Autor

Claudia Zogheib
Psicóloga clínica, psicanalista, especialista pela USP, atende presencialmente e online. Redes sociais e sites: @claudiazogheib, @augurihumanamente, @cinemaeartenodivã, www.claudiazogheib.com.br e www.augurihumanamente.com.br