O sono da bomba atômica

Quer conhecer alguém? Dê-lhe o poder. Nada mais que isso. Aí, esse alguém mostrará se é realmente humano. Ou se é tirano. Se respeita seus semelhantes e as demais criaturas. Essa fórmula, segundo consta, seria de autoria de Lincoln, ex-presidente dos Estados Unidos. Em verdade, referida frase foi dita sobre Lincoln, em discurso do Dr. Robert G. Ingersoll, proferido no dia 16 de janeiro de 1883, em Washington D.C.  

Há alguns anos, na praça de nossa Igreja Matriz, Frei Miziara, de Sorocaba, em missa campal, em seu sermão, indagava dos presentes: “Qual a arma mais poderosa que existe? Seria a bomba atômica? Não! A arma mais poderosa que existe é a mente humana! Deem a bomba atômica a São Francisco de Assis, e ele a fará ninar como se fosse uma criança! Ah! Deem, entretanto, um prego e dois palmos de  barbante a um facínora e ele sepultará a humanidade!”. 

O fato é que quem tem poder imagina que tudo que faz está certo, porque tem liberdade de fazer tudo quanto quer. Das primeiras medidas que toma é neutralizar liberdade de expressão! Menos a sua, claro! 

W. H. Hauden, poeta, na página nº 81, da edição portuguesa da Vigésima Quinta Hora, de Constantin V. Gheorghiu, faz solene oração: “E, agora, oremos por todos aqueles que têm qualquer desgraçada parcela de autoridade, pelos que devassam e contra devassam...”  

Num passado distante, Átila, o rei dos hunos, se fazia presente: para ele, quem mandava no céu era Deus, mas na terra quem mandava era ele... 

Não faz tanto tempo assim, a humanidade testemunhou o desempenho de Hitler com seus campos de concentração, com seus fuzilamentos. Matou coisa de dezenove milhões de seres humanos. Contemporâneo seu, Josef Stalin matou um milhão a mais, vinte milhões de seres humanos. Outro contemporâneo, Mao Tse Tung, matou de 50 milhões a 80 milhões de pessoas. 

Não é preciso buscar tão longe elementos desse naipe. Entre nós, na ditadura de Getúlio, tivemos Filinto Muller. Fazia sangrar. Mutilava. Torturava. Matava. Tudo com anuência do poder. Sobre ele, David Nasser escreveu um livro: Falta Alguém em Nuremberg. Nuremberg é a cidade em que foram julgados os criminosos da Segunda Guerra Mundial.  

Mais próximos, ainda, todos temos ciência de pais que espancam e humilham os filhos. De maridos que espancam e humilham as esposas. A coerção física e moral reduz os seres humanos à escravidão! 

Claro que, de quando em vez, o reverso da medalha responde presente. Na Guatemala, havia tiranete de plantão, com ânimo definitivo, Anastácio Somoza. Fazia e desfazia, tal qual tantos outros detentores do poder. Ora, é sempre vantajoso, fácil e agradável exercer o poder.  Acreditava, com certeza, na eternidade do presente. Nem desconfiava que seu próprio destino estivesse prestes a entrar em cena. Pois bem. A espada de Dâmocles estava ali, sobre ele. Vinha Somosa e seus seguranças — coisa de duas dezenas, carro blindado na frente e carro blindado atrás, várias motos circundando o veículo também blindado que o transportava   — em direção à praça central. Um só tiro! Um tiro acabou com sua vida, sua carreira e a carreira de todos os seus seguranças. Um tiro? Ah! Não foi um tiro qualquer.  O tiro foi de bazuca! Bazuca, sabe-se, é o nome popularizado para o "lança-foguetes" ou "lança-rojão", uma arma portátil anti-tanque em forma de tubo, de enorme poder destruidor. 

O eleitor sabe que os amantes do poder ditatorial buscam alcançar o poder através da democracia. Por outro lado, o mundo está, ao que parece, atento como jamais esteve, através de seus mecanismos e poderes, em especial o da justiça, para proteger os mais frágeis, as mulheres e as crianças. E, até mesmo, os animais!

Autor

Marcílio Dias
É advogado e articulista de O Regional.