O som do silêncio

Tem dias que a gente não quer falar nem ouvir. A gente só quer a quietude de não ter que perguntar e responder, de não ser obrigado a usar a língua para emitir uma só palavra do idioma. Sequer desejamos manejar as cordas vocais para resmungar quaisquer ruídos monossilábicos.

Tem dias que nosso desejo mais profundo é encontrar o topo mais alto da montanha mais alta e sobre ele assentar-se feito um monge tibetano, com as pernas cruzadas na posição de lótus e os ouvidos abertos à música totalizante do quase vácuo que ronda o pico do mundo, onde o barulho e o falatório mundanos não podem chegar.

Tem dias que o som da voz humana, daqueles que nos são próximos e daqueles que nos são distantes -- inclusive nos meios de comunicação --, entorpece o cérebro, intoxica a cognição. Queremos a pureza da ausência não da audição em si, mas daquilo que pode ser audível. Queremos que o movimento frenético do mundo, produtor de cacofonia, cesse completamente.

Tem dias que não toleramos buzinas, rádios, aparelhos de televisão, celulares, sirenes, apitos, etc. Não toleramos o chiado legionário da multidão nem o rumor angustiante da mastigação de alguém que almoça ou janta ao nosso lado na mesma mesa ou na mesa vizinha. Não se trata de misofonia, mas de apetite pela anulação dos sussurros da atividade corporal.

Tem dias que o próprio corpo pede para não ser tocado por música, seja de que gênero for. Pianos, violões, guitarras, trompetes, zabumbas, sanfonas, bandas e orquestras inteiras de repente se tornam tão repulsivas quanto o barulho infernal de uma fábrica cheia de lixadeiras, serras e martelos. Não queremos Mozart nem Luiz Gonzaga, não queremos rock nem pop, não queremos nota musical alguma.

Tem dias que nosso anseio visceral é retornar ao estado de conforto uterino, telúrico. Mais ainda: retornar ao momento anterior à fecundação. Muito mais ainda, além: retornar à paz que precedia ao Big Bang, quando todo espaço e tempo eram apenas potência informacional cogitada pelos “neurônios” de Deus.

Tem dias que a necessidade é safar-se de todo e qualquer burburinho existencial, como se não existíssemos, como se uma certidão de nascimento não tivesse sido passada em cartório, como se o médico não nos tivesse feito chorar, como se, ainda que completamente vivos e mais conscientes do que nunca, fôssemos esquecidos por toda e qualquer atividade humana que pode ser captada pelo martelo, pela bigorna e pelo estribo dos ouvidos. O anelo do anonimato diante da sonância, da ressonância, da altissonância do Universo...

Tem dias que o único som que nos interessa é o som do silêncio.

Autor

Dayher Giménez
Advogado e Professor