O que o público quer?
“Toda obra de arte é filha do seu tempo e, muitas vezes, mãe dos nossos sentimentos.”
Wassily Kandinsky
Pai da pintura abstrata, o russo Wassily Kandinsky tornou-se uma referência para a arte contemporânea quando tentou extrair da vida o que existe de mais profundo e mais verdadeiro. Segundo o pintor, que é para nós da Cia da Casa Amarela, um mentor artístico, o artista tem que retratar seu tempo, sua realidade e só assim perpetuará sua obra.
Já o citamos em outro artigo ressaltando seu conceito sobre nosso ofício – que também assumimos para nosso teatro – que é o da necessidade interior: todo artista deve criar a partir de uma necessidade interior e que corresponda ao seu tempo.
Daí nasce a arte contemporânea: tentar expressar através das mais diferentes linguagens o que estamos vivendo e todos os desafios sociais, políticos e humanos pelos quais a humanidade passa.
Criar de acordo com nosso tempo, nossa realidade, não significa porém que devemos ceder ao modismo, porque moda é passageira, embora reflita o momento.
São coisas diferentes.
O modismo corresponde ao instante e morre com ele. Pode tornar-se referência estética ao ser revisitado aqui e ali, no entanto, se desfaz com as novas tendências. Na arte, embora o processo seja também rotativo, o artista tem algo mais a dizer, a expressar, e ainda que seja a realidade que está vivendo agora e ele sabe – ou deveria entender – que sua criação não se apaga.
Compreender a linha tênue que divide o modismo do contemporâneo não é tão simples assim.
O modismo faz com a produção seja em massa porque todos querem absorver e desfrutar o feedback, muitas vezes financeiro, das tendências atuais, contudo, como o modismo é por vezes atropelado pelo novo e se desfaz, o artista pode também desaparecer em meio à limitação do hoje.
Tentando compreender melhor essa questão, lembramos da obra “Guernica” de Pablo Picasso que foi um cruel e doloroso retrato da Guerra Civil Espanhola, dos anos 30 do século passado. Embora, retratasse seu tempo e a guerra específica, com todos os componentes culturais que nos remetem à Espanha, “Guernica” pode ilustrar perfeitamente o atual conflito Rússia/Ucrânia, ou a Síria, ou todo e qualquer guerra que aconteça no mundo hoje. Também pode ilustrar perfeitamente o momento brasileiro, nessa tensão que cavalga desenfreadamente, ferindo a democracia e a essência de liberdade do povo brasileiro. Os conflitos existenciais, humanos são tantos e Picasso poderia tranquilamente explicar sua obra-prima assim: “esse é o Brasil. Foi isso que retratei”.
Mas a arte contemporânea resvala, democraticamente, em obras extraordinárias nem sempre percebidas pelo público em geral, ao mesmo tempo que levanta multidões em delírios frenéticos nos estádios ou ainda em expressões chulas e toscas de uma suposta criação autêntica que nada mais é do que pura extravagância e excentricidade pessoal.
Há quem simploriamente afirme que é isso que o público quer. Será? O espectador quer algo sem qualidade, sem conteúdo, sem alma? Ou o ser busca mais? Quer saciar a fome e sede interior com obras que lhe digam algo, que mexam com seus sentimentos mais profundos e os elevem da mesmice, da superficialidade e da pobreza estética?
Voltando a Kandinsky, lembramos sua constatação quanto ao público que busca a arte contemporânea: “as almas famintas partem famintas...”, completando mais adiante: “o artista deve ter alguma coisa a dizer” e ousamos complementar que sua fala tem que corresponder as ansiedades mais profundas do espectador.
Não é tão simples. Digamos que é complexo mesmo.
No entanto, é fundamental entender o nosso tempo para que saibamos como trocar com o público. Público é um ser vivo. O público é formado por pessoas, seres humanos, almas famintas em busca de encantamento, explosão de sentimentos e sensações, não importa qual seja o veículo, a linguagem, o ritmo ou a proposta estética. Desde que haja verdade, intensidade e vida pulsando.
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