O que faríamos sem uma cultura? *

“Um povo sem conhecimento, saliência de seu passado histórico, origem e cultura é como uma árvore sem raízes.”
Bob Marley
Cantor e compositor jamaicano.
No processo de transição política, todos os setores da sociedade se inquietam, se movimentam e especulam sobre o futuro. Natural situação que gera angústia para muitos e com a classe artística e trabalhadores da cultura não é diferente, embora para a imensa maioria, quase totalidade dos artistas, não tenhamos dúvidas que diante do caos que estamos, do total sucateamento e desprezo pela cultura do governo atual, o que virá resgatará muito do que foi perdido.
A começar pelo anúncio da recriação do Ministério da Cultura e pelo esforço de reunir pessoas importantes da cultura brasileira para pensarem a transição governamental no setor.
Um nome convidado já foi descartado pela pressão exercida pelos artistas. Alexandre Frota faria parte da equipe, mas renunciou.
Um movimento de opinião cultural foi o suficiente para que ele se movesse em favor de uma maioria que sofreu muito nesses últimos quatro anos, sem política cultural, e acrescido da pandemia que nos tirou, para nós artistas, oportunidades de trabalhar.
Sendo um bem essencial à sobrevivência humana, a cultura não pode continuar relegada ao abandono como está.
“O que faríamos sem uma cultura?”, questionou Mary Midsley, filósofa britânica. A pergunta em si já denota a importância da cultura, porque a resposta é clara: nada! Teríamos que sair juntando os cacos de uma humanidade destruída pelo vazio de uma vida sem conhecimento, sem cultura e sem manifestação de sua natureza criativa, porque todos nós, artistas de profissão ou não, estamos inseridos nesse contexto. A história de cada indivíduo é repleta de nuances, construções e vivências que auxiliam na formação cultural de cada núcleo familiar.
Ou não se reconhece que as histórias dos nossos bisavôs, avôs, pais, tios, criaram em nosso imaginário a nossa própria história? No poço das nossas memórias mais profundas habitam as nossas sementes culturais, que formaram o que somos hoje. Assim, de geração em geração, artistas ou não, inventamos nossas existências com criatividade, poesia, em seus contos e causos familiares e regionais, moldando a sociedade que somos hoje.
Sociedade essa carente de se identificar consigo mesma, no atual momento em que vivemos no Brasil. A perseguição à cultura popular, não só artística como também religiosa e social, destruiu muitas de nossas ações e criações.
E o público se distanciou da cultura... Os bares estão cada vez mais cheios, enquanto as salas de espetáculos cada vez mais vazias. A investida maciça contra a cultura causou um estrago absurdo que demoraremos a recuperar, como na educação e ciência também.
O estado de São Paulo, através da nova administração que assume em 2023 já levantou um sinal de alerta aos paulistas, no campo da cultura, porque a possibilidade de revivermos os tempos de secretaria de cultura federal na figura de Mário Frias causou um pânico nos artistas.
O estado de São Paulo sempre manteve, mesmo com defeitos e críticas, leis de incentivo e programas culturais, notadamente o ProAC – Programa de Ação Cultural, que muito colaboram com a sobrevivência dos artistas e da cultura, e com muito investimento também no período grave da pandemia, através do ProAC LAB – da Lei Aldir Blanc.
Agora, respira-se por aqui, um ar denso da incerteza de uma atmosfera sufocante com a possibilidade de revivermos os tempos sombrios da Secretaria Especial de Cultura do atual governo, na figura de Frias. A classe artística já está divulgando seu sonoro “Não!”, e parece que nossos gritos ecoam e provocam um repensar do governador eleito.
Esperamos, confiantes, que nos ouça e esse mal não se concretize para um estado que tem excelentes e atuantes recursos para a cultura paulista.
O que queremos é dignidade, respeito e oportunidades.
Se não as tivermos, “o que faremos sem uma cultura?”
O que nos resta então? Continuar produzindo e esperando, ardentemente, que nossas criações possam ressoar, repercutir, e que nossos próximos anos sejam de luz, arte e cultura. Com reconhecimento.
O desprezo vivenciado na cultura nesses últimos quatro anos, acentuando muito da nossa já carente população brasileira, tem seus frutos: basta observar as imagens de parte da nossa sociedade agindo com tanta ignorância, nos últimos 26 dias. Típico de “um povo sem conhecimento, saliência de seu passado histórico, origem e cultura”, que se assemelha a “uma árvore sem raízes”, como afirmou Bob Marley.
* Questionamento de Mary Midsley, filósofa britânica.
Autor
