O que dizem de nós e quem somos

Já mentiram sobre você? Já fofocaram estorinhas, inventaram bobagens e gravidades a seu respeito? Já te colocaram como assunto em um extenso telefone-sem-fio, contando contos e aumentando pontos? Certeza que sim. Mas, vem cá... Já contaram verdades sobre você? Já espalharam realidades a seu respeito? Já foram precisos, absolutamente certeiros, ao narrar algo da sua caminhada? Certeza que sim, mas provavelmente em menor quantidade e qualidade que as mentiras. Vamos além: já misturam mentira e verdade, criando uma mentira extremamente verossímil (porquê mistura de verdade com mentira sempre dá em mentira “das boas”, mais crível, posto que mais elaborada)?

Todos nós fomos, somos e seremos, ainda que em graus distintos, alvos do julgamento alheio -- do bom e do mau julgamento alheio. Basta estar vivo para estar [inter]conectado à uma rede quase infinita de conversas sobre si e, principalmente, sobre os outros. Faz parte da gregariedade humana arranjar assunto na vida alheia. Entretanto, o grande problema que pode advir é que estas versões e inversões de terceiros que correm sobre quem somos costumeiramente afetam nossa própria visão sobre quem somos, ou seja, a questão não é tanto o que dizem de nós, mas se o que é dito nos afeta e nos altera.

Ocorre que o que dizem de nós pode sim ser um diagnóstico parcial de quem somos. Afinal, todos lemos a realidade, inclusive a alheia. Mas, por mais que esta leitura almeje ser fria e calculista, é virtualmente impossível que ela seja inteiramente real. Por que? Porquê apenas nós mesmos temos acesso a todo o arcabouço interior que nos forma existencialmente e pelo qual performamos a vida. Ou seja, apenas eu posso me julgar e me conhecer de fato; apenas você pode se julgar e se conhecer de fato. Todo o resto é opinião.

Voltando ao ponto principal, rascunhado no segundo parágrafo: a questão mais prejudicial ocorre quando aquilo que pensam de nós se torna o que pensamos de nós e, consequentemente, nos deforma a personalidade, nos transforma transtornando. Se somos inseguros (sobretudo quando com baixa autoestima e complexos, como o de inferioridade), se não cultivamos uma vida interior calcada em autoconhecimento, aquilo que dizem de nós acaba sendo assimilado, introjetado, e, aí, com mais ou menos consciência, nos adaptamos à percepção alheia na ânsia de não contrariar aquilo que a multidão (igualmente formada por indivíduos oprimidos pelo coletivo) difusamente demanda da gente.

Moral da história: seja você, apenas você, nada além de você, tão somente você. Não seja permeável a quaisquer discursos externos sobre você. Transforme-se interiormente, de dentro para fora. Concentre-se no seu ser com máxima autofidelidade, com extrema autolealdade, com absoluta autodignidade, com integral autoafirmação, com suprema autosinceridade. Conselho de Shakespeare, em Hamlet: “Isto acima de tudo: a ti mesmo sê sincero; e disto deve seguir-se, tão certo quanto a noite segue o dia, que não poderás ser falso a homem nenhum.”

Autor

Dayher Giménez
Advogado e Professor