O proibido é desejável

Saber que a pessoa amada nos deixa por outra é uma das sensações mais dolorosas que um ser humano pode ter. Todos já passamos por isso e é mais fácil recordar do que descrever. Não se trata de simples abandono. Diz-se que os amantes têm uma relação narcisista, ou seja, se olham embevecidos assim como Narciso que, fascinado com sua própria imagem, se afogou no lago.  

A estrutura do ser humano é parecida com a dos metais, principalmente o ferro, que tem uma forma estável e para modificá-la é preciso levá-lo a altas temperaturas. Nosso ser, depois de fabricado na infância, também é estável na vida adulta e para modificar-se deve estar bem quente.

As paixões ardentes funcionam como um alto-forno capaz de modificá-lo. Há quem se derreta de amor e, uma vez derretido, adquire a forma da pessoa que ama. Deixou sua identidade para assumir outra. Mas essa dissolução é perigosa quando o ser amado nos abandona, porque ficamos perdidos, sem referência, sem forma. Se somente podemos ser enquanto amados, é evidente que não há outra possibilidade que não a do ciúme, que funciona como garantia da própria existência.  

Vivemos numa sociedade monogâmica e a sexualidade é poligâmica, daí a existência do ciúme. Por isso o mandamento, que conhece profundamente os seres humanos, nos adverte: “Não desejarás a mulher do vizinho”, pois é desejável por ser mulher e por ser do vizinho. Do mesmo modo que a roupa desperta o desejo pelo nu, a proibição da poligamia a incentiva.

Uma característica humana é desejar precisamente aquilo que não deveria, o que acaba transformando o proibido em imprescindível. A fidelidade só funciona bem quando surge de uma opção que o indivíduo assumiu conscientemente, produto de uma elaboração adequada e não como efeito de uma ameaça ou proibição, seja religiosa ou moral. Seria mais fácil considerar que a fidelidade é saudável e a infidelidade neurótica, mas nem sempre é assim. Algumas vezes, vemos sujeitos monogâmicos com sintomas neuróticos porque reprimiram estes desejos. 

Aquele que castra e reprime seus desejos sofrerá efeitos desta repressão: angústia, irritação, depressão. Quem opta por ser infiel sofrerá outras consequências tão graves como quem reprimiu: culpas e críticas do meio social. Por isso, a sexualidade da espécie humana não se sustenta bem. Trata-se de seguir seu próprio caminho e administrar a sexualidade, considerando que a tolerância, a frustração ou a culpa diante do pecado variam de pessoa para pessoa e é essencial achar sua própria medida, lembrando sempre que tudo tem seu preço. 

 

Autor

Ivete Marques de Oliveira
Psicóloga clínica, pós-graduada em Terapia Cognitivo Comportamental pela Famerp