O poder maligno da ideologia
Não sei desde quando se popularizou a idéia, falsa e inconsequente, de que ideologias são boas e importantes para a construção do bem comum. Talvez, confusões com o uso de verbetes de dicionário misturadas a opiniões até certo ponto sinceras e idealistas (e o idealismo por si só já é uma ideologia) causam este estrago filosófico e existencial que é atribuir virtude a complexos de idéias combinadas com a intenção de fazer isto ou aquilo com os indivíduos e, principalmente, com a sociedade.
O que é a ideologia senão uma proposta de padronização forçada, ainda que sob o manto do pluralismo (outra ideologia) e do multiculturalismo (ideologia também)? O verbo “forçar” é que dá a dinâmica de uma ideologia: uma pressão é exercida sobre as pessoas para que elas passem a concordar, mais ou menos consciente e inconscientemente, com determinado cabedal de valores e, então, passem a agir conforme as normas ditadas por quem delineou o que pode e o que não pode dentro dos parâmetros éticos da tal ideologia.
Quantas vezes não se escuta frases tais quais: “esses políticos são corruptos porque falta ideologia” ou “o problema é que já não se tem mais ideologia”. Tios e tias que tiveram aulas de Educação Moral e Cívica e OSPB no colegial, à Direita, e sobrinhos e sobrinhas que foram catequizados por adeptos da Teologia da Libertação, à Esquerda, por exemplo, fazem uso da mesmíssima palavra e, apesar dos contextos diferentes, acreditam piamente que as coisas serão melhores quando a ideologia voltar a mandar nos homens e nas mulheres, e a direcioná-los aos dogmas de determinada cartilha. Esta estrutura funciona com crentes e descrentes de todos os sistemas artificiais de pensamento, sem exceção.
Talvez o que todos eles queiram, por debaixo desse véu de mistérios meio psicológicos e meio sociológicos, é que o mundo volte a ser mais substancial, mais denso, menos etéreo, menos fluído. O anseio geral das pessoas é que o mundo seja mais organizado, mais significante. E contra isso surge o falso remédio da ideologia, que quer esganar a desordem e a insignificância da pós-modernidade injetando ideários no corpo social, como se bastasse acreditar nesta ou naquela cosmovisão para ser salvo da subjetividade insipiente e alienante do século XXI.
O resultado da ideologia é a desumanização. Uma desumanização que concentra opiniões para dissipar ódio. Uma desumanização que quer coagir as almas para inventar pseudo-coesões. É óbvio que a falta de “norte” para a vida individual gera o caos civilizacional coletivo que vivemos, mas com certeza não é a ideologia (esta máquina que orienta atalhos mas desorienta do Caminho) o meio mais acertado para fazer com que seguremos as mãos do nosso próximo enquanto escalamos a montanha do presente. A ideologia arranca o elo da corrente, desfaz o fio da corda: reúne, mas não une. O futuro não será bom, talvez nem exista, se o poder maligno da ideologia continuar desunindo nossa espécie.
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