O perdão e suas implicações

“Perdão não é só sobre esquecer o que houve” ...

 

Em todos os mantras conhecidos, o perdão é um dos temas recorrentes e recebe suas definições. Há quem fale que perdoar é esquecer, zerar, libertar, e só quem conseguiu perdoar sabe a sensação de tranquilidade que isso traz, um sentimento que vem acompanhado de muitos outros benefícios para a saúde física e mental. 

Para conseguir perdoar é necessário se permitir e respeitar o processo, uma decisão que tem mais a ver com quem perdoa do que com a pessoa que ofendeu. 

A noção de perdão em nossa cultura é carregada de uma conotação moral e religiosa, considerada como um ato de amor que produz transformação, que redime e nos torna melhor.

Do ponto de vista psíquico, o verdadeiro perdão envolve reparação, e isto não tem nada a ver com uma página em branco sem história, visto que isto é algo impossível de acontecer. 

Normalmente quem fica obcecado para zerar tudo não quer entrar em contato com os fatos que ocasionaram a ofensa e o que o fez ter que pedir perdão, muito menos está a fim de mudar suas ações, ou seja, não sabe o real tamanho de sua dívida simbólica porque enquanto não acessa os fatos e os enfrenta, mantém isto no campo da fantasia e continua errando convencido que não tem nada a fazer, e em alguns casos, “acha” que foi o outro que provocou a sua ira.

Pedir perdão é antes de tudo reparar o estrago que tentou fazer na vida do outro, não ofender, não mentir e não desrespeitar.

Quando a pessoa fica obcecada em pedir perdão para zerar sua conta e não entra em contato com suas ações, certamente cometerá os mesmos erros escorregando novamente porque não entrou em contato com as causas que o fez ofender repetidamente.

Quem perdoa sabe que perdoar é sempre a melhor saída, mas enquanto o outro não se acessa a ponto de mudar, entendendo seu erro e o reparando, o melhor a fazer é manter uma certa distância. 

O perdão é libertador porque nos livra de seus efeitos nocivos que surgem quando nos vemos aprisionados por emoções destrutivas, e ao perdoar, descarregamos angústias e ficamos menos expostos a somatizações decorrentes de tensões ocasionadas pelo aprisionamento da dor. 

Perdoando, liberamos sentimentos negativos como raiva, ressentimento, mágoa, angústia, e experimentamos alívio, liberdade, leveza, dando espaço para sentimentos mais construtivos.

A raiva, a inveja e o ciúmes são sentimentos frequentemente esperados e que estão quase sempre na base de quem  ofende com facilidade, e são mais comuns em grupos de convivência contínua: família, trabalho, sala de aula, enfim, quando juntam duas pessoas ou mais que não têm consciência de seus acionamentos internos, a facilidade em atacar e ofender será mais fácil. 

A simples presença do outro pode se tornar um terreno fértil e propício para que as ofensas aconteçam. Ao ver o outro, lembro de onde não estou, do que não sou, do que não faço ou não consigo fazer, da grandeza do outro, inteligência, sobriedade, beleza, conquistas, e por não aguentar conviver com isto, ofendo, tento destruir, diminuo o outro.

Enquanto não perdoamos, o mundo fica um lugar assustador, mas se proteger dos investimentos dos outros exige entender que o perdão sempre deve estar atrelado à reparação, e do lado de quem foi ofendido, se proteger dos investimentos destrutivos do outro.

E quando formos capazes de praticar os mantras do respeito olhando para si, entendendo porque fazemos isto ou aquilo, não será necessário ofender e não terá o que perdoar, porque numa sociedade onde as virtudes são vividas e respeitadas, as pessoas estão ocupadas em olhar o outro na medida do outro e não do próprio egoísmo, narcisismo e onipotência.

Música “16 Toneladas” com Noriel Vilela.

Autor

Claudia Zogheib
Psicóloga clínica, psicanalista, especialista pela USP, atende presencialmente e online. Redes sociais e sites: @claudiazogheib, @augurihumanamente, @cinemaeartenodivã, www.claudiazogheib.com.br e www.augurihumanamente.com.br