O outro lado da mesma moeda
Nossa Constituição está longe de ser boa. Em breve, o número de emendas empatará com o número de artigos. Mas é a que a casa oferece. Ainda assim, se não à levam em conta, se a interpretam segundo a conveniência do momento, se a transformam em massinha de moldar, se os constituintes originais são destituídos, as instituições se desconjuntam. E, mesmo inculta, a nação percebe, se desestabiliza e se desgosta. Contam demais com a ignorância da sociedade aqueles que assim agem e julgam merecer de todos, indistintamente, os rapapés de praxe que recebem em seu habitual entorno.
Como sabem meus leitores, sou um estudioso da triste realidade do povo cubano. Escrevi dois livros e centenas de artigos a respeito. Vivi, felizmente por uns poucos dias, a experiência de estar sob vigilância pessoal num estado totalitário. Porque mantive contatos com dissidentes, fui seguido, fui filmado, e... fui mal atendido quando busquei orientação e apoio na embaixada petista da época. Os fatos me fizeram entender muito bem a realidade daquele povo. Agora, sinto insegurança semelhante em meu país!
Sinto-me sob ameaças. Percebo a liberdade de expressão restrita. Observo um patrulhamento com cunho oficialista. Tomo conhecimento da existência de um Big Brother vasculhador da esfera privada, pescando palavras no espaço virtual, avaliando conteúdos. Sinto a pressão sobre as redes sociais e a restrição à temática política. Estranho esses inquéritos abertos para permanecerem abertos, sigilosos e atemorizadores. Assim como vejo a censura acontecer, percebo a injustiça sendo feita e sinto, na minha humanidade, a condolência que devemos sentir sempre que alguém dela é vítima.
Subitamente, noto haver mais sentido ético superior no senso comum de justiça (assim, com jota minúsculo), do que na Justiça com jota maiúsculo. A exemplo de milhões de brasileiros, meus olhos se voltam para o inerte Senado Federal. Hoje, eminentes senadores afirmam de público aquilo sobre o que já escrevi tantas vezes: “o Senado não julga ministros do STF e ministros do STF não julgam senadores”. Com isso, se esteriliza um importantíssimo preceito constitucional, na ausência do qual, tem-se espaço aberto para a ditadura, para a tirania! São 18 denúncias (impeachment = denúncia) contra quase todos os ministros.
Fato: da mesma forma que presidencialismo sem instituto do impeachment é ditadura, qualquer outro poder de Estado cujos membros não possam ser julgados e afastados também nisso se converte!
É para a omissão do Senado que se voltam as críticas dos senadores que explicitaram o que acabo de escrever – Álvaro Dias, Lasier Martins e Eduardo Girão. No entanto, que se haverá de dizer do STF sobre a parte omissiva que lhe corresponde nesse latifúndio de omissões?
Em uma lista do site Congresso em Foco, de 14/09/2021, leio que 15 senadores são réus ou alvo de inquérito no STF, num total de 5 ações penais e 25 inquéritos. Deste outro lado da mesma moeda, nada se diz. Por quê?
Talvez algum cubano me ajude a encontrar a resposta.
Percival Puggina
Membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor
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