O outro lado da imigração antiga

Quando falamos de imigração nos séculos 19 e 20, costumamos ressaltar uma aparência histórica de pessoas felizes, vindo para o Brasil em busca de trabalho e de uma vida melhor, com festas fartas, músicas e danças típicas, como em novelas ou filmes. 

Porém, ao estudar mais a fundo a situação destes imigrantes, em sua maioria europeus, conhecemos uma série de problemas nas suas relações de trabalho com os proprietários de terra na época. 

No século 19 o Brasil reduzia gradativamente a escravidão, por meio de leis como a Lei Eusébio de Queiroz, de 1850, que proibia o tráfico negreiro, bem como a Lei do Ventre Livre, de 1871, que dava liberdade aos filhos de escravizados no Brasil. 

Todo avanço pela liberdade dos negros encontrava resistência dos “proprietários” de escravos, que se viam no direito de propriedade sobre estas pessoas e se sentiam prejudicados patrimonialmente com a perda destas “mercadorias”. 

Tudo isso se dava pela cultura escravista que foi se construindo ao longo dos séculos, visando normalizar a narrativa de que os negros seriam pessoas inferiores, aliás, de que sequer seriam pessoas, mas sim coisas, que podiam ser vendidas e compradas à luz do dia, e que o trabalho braçal era “coisa de escravo”. 

Por isso, a substituição da mão de obra escrava por imigrantes europeus não foi suficiente para superar essa cultura escravista, de modo que a imensa maioria dos imigrantes foi tratada como escravos, até porque seus contratantes eram senhores de escravos há alguns anos. Embora fossem assalariados ou parceiros/meeiros, na verdade conseguiam comprar apenas o que os escravos tinham, ou seja, moradia e alimentação precárias. 

Era comum também a escravidão por dívidas, que começava pela viagem custeada por fazendeiros, mas também porque, geralmente, tinham como única opção o mercadinho da fazenda, cujo monopólio endividava estes imigrantes até o próximo salário ou o final da colheita, que não tinham muita saída, pois o direito da época permitia isso. 

Além disso, as condições de trabalho eram igualmente precárias, com relatos de agressões e jornadas exaustivas, de forma que alguns países da Europa exigiram do governo brasileiro que interviesse nestas relações para evitar tais abusos, sob ameaça de levar seus cidadãos de volta à origem. 

Enfim, o sonho de uma nova vida foi pesadelo para milhões de imigrantes que, em regra, acabaram sendo praticamente escravizados, com marginalização social semelhantes às dos negros e desamparo pelo Estado. 

Claro que a cultura europeia semelhante à que tínhamos no Brasil facilitaram a adaptação dos imigrantes e até mesmo sucesso de alguns que conseguiram adquirir terras, já que os negros sofreram mais, além de tudo, com a adaptação ao ambiente, cultura e, principalmente, com o racismo. 

Fato é que a cultura escravista, que foi criada para aprisionar e manter os negros escravizados, também teve consequências a todos os trabalhadores no pós-escravidão e, em maior ou menor evidência, ainda pode ser vista nos tempos atuais.

Autor

Evandro Oliveira Tinti
Advogado, especialista em Direito e Processo do Trabalho pela EPD, mestrando em Direito e Gestão de Conflitos pela Uniara e coordenador da comissão de Direito do Trabalho da OAB de Catanduva, e articulista de O Regional