O Monstro

Presto muita atenção em grandes eventos. Fico imaginando o trabalho que dá você organizar uma festa de grande porte, das que cobram ingressos e vendem camarotes. Tem que gostar e querer muito fazer a festa. Leio que o Rock in Rio passou por 68 mesas para sair. Explico melhor: foram 68 etapas burocráticas, guichês e repartições para regularizar o festival.

Não deve ser diferente para eventos similares. Por exemplo, qualquer festa de rodeio ou o Desfile das Escolas de Samba do Grupo Especial do Rio de Janeiro.

Mal acaba uma edição e já tem que começar a correr atrás da próxima porque com 68 carimbos para bater nos papeis, 1 ano é quase pouco para sair a festa. Afora as bobagens que o organizador escuta, do tipo “quanto custa o ingresso? Quantas pessoas vai dar? Vai ficar rico, hein”? E mais os pedidos de cortesias. Cortesia é um eufemismo que se dá para ingresso grátis. Numa festa que tem custos!

Isto porque o evento é bom para todo mundo. Tira o povo de casa, traz movimento, faz circular o dinheiro, o comércio sorri, os hotéis sorriem, os restaurantes lotam, e mais de 30 setores da economia recebem um refresco nestes tempos bicudos.

Mas se é bom para muita gente, agita a economia e tudo o mais, por que tanta dificuldade? Qual o porquê da descomunal dificuldade enfrentada pelos empreendedores (prefiro a palavra gladiadores) para fazer as coisas acontecerem?

O que deveria ajudar o cidadão atrapalha em demasia. O que os grandes filósofos da política imaginaram como sendo um modelo de estado a serviço do cidadão não tem nada a ver com a estagnação, com o atual excesso de normas e regulamentos, desperdício de recursos e ineficiência. Tem que gostar e querer muito fazer as coisas...

O excesso de burocracia tem a ver com a paranoia do estado que considera todas as pessoas ladras em potencial. Herança da era colonial. A coroa, para sustentar os seus luxos e guerras, taxava pesadamente os súditos e estes procuravam sonegar o que pudessem. Desconfio que será assim para sempre.

É a “Síndrome do Pequeno Poder” do burocrata, ou seja, o carimbo que está na mão dele impede ou atrasa a sua vida. Óbvio que ele acha que as pessoas não têm absolutamente mais nada para fazer na vida a não ser correr atrás de papeis e documentos que ele exigiu.

Para falar a verdade, o único carimbo que eu considerava justificável era o do porteiro na entrada da boatinha, carimbando o pulso de todo mundo que entrava. Mas tinha que renovar quando o suor borrava a tinta.

Fala-se tanto em reformas. Não sei que prioridade teria a desburocratização. Já tivemos até ministério para isso. Só sei que enquanto ficar assim, a paciência do brasileiro vai se esvaindo para alimentar o monstro da burocracia. Agora, se os raros leitores me dão licença, vou ao centro para tentar provar que eu sou eu mesmo!

Autor

Toufic Anbar Neto
Médico, cirurgião geral, diretor da Faceres. Membro da Academia Rio-pretense de Letras e Cultura. É articulista de O Regional.