O Mito de Narciso

Uma versão muito conhecida do mito de Narciso é aquele contado pelo poeta romano Ovídio em 43 a.C. em sua obra Metamorfoses.

Diz o mito que Narciso era filho da ninfa Liríope e de Céfiso deus dos lagos e que certa vez quando ele ainda era uma criança sua mãe procurou o vidente Tirésias para saber se seu filho teria vida longa. A resposta a deixou perturbada quando ele respondeu dizendo que Narciso só viveria muito se não se conhecesse.

Segundo o mito, ele era muito belo e vaidoso e após desprezar inúmeras pretendentes acabou se apaixonando pelo próprio reflexo tendo morrido de fome e sede à beira da fonte de água onde via sua imagem refletida. Narciso era arrogante e se sentia muito especial, e aos seus olhos ninguém era o bastante para ele. Seu excesso de vaidade fez com que só se apaixonasse por ele mesmo, sendo este mito uma crítica a empáfia e excesso de vaidade, se tornando um símbolo do individualismo e excesso de amor próprio nos ensinando o quanto o excesso de vaidade e falta de empatia são prejudiciais.

Na psicanálise o termo narcisismo surge na obra de Freud 1914 em virtude da necessidade de possibilitar a inclusão das manifestações psicóticas onde a teoria da libido desenvolvida até então não permitia essa reflexão.

A definição do Narcisismo não só ampliou a psicopatologia como criou impasses para o corpo teórico, sendo definido como um complemento libidinal do egoísmo da pulsão de autoconservação, ou seja, essa pulsão recebe uma quantidade a mais advindo da pulsão sexual, tendo esta última o próprio eu do sujeito como objeto.

Para Freud existe uma fase narcísica no desenvolvimento que antecede a fase do autoerotismo sendo anterior à escolha do objeto, podendo ser compreendido como um destino possível para a libido que corresponderia ao que foi chamado de narcisismo primário, ou seja, uma concentração de libido dentro do eu e que depois na vida do sujeito, quando a libido antes dirigida para os objetos externos se retrai para o ego já constituído, falando então em narcisismo secundário.

Desse modo, o conceito de narcisismo reformula o conceito de objeto, ou seja, a ideia de que só há objeto após a fase da escolha objetal deixa de ter sentido já que há escolha de objeto na fase narcísica é o próprio eu e que na fase seguinte um objeto externo acontecerá com a dissolução do complexo de édipo onde as alterações psicóticas podem ser estreitadas uma vez que se definem pela inexistência de contato com os objetos externos.

No texto escrito por Freud e depois pinçado por Lacan é possível observar as dissonâncias do eu, sendo que em Lacan o estágio do espelho e da agressividade, onde se tem a importância da imagem tanto através do espelho como do outro, o semelhante marca a influência da etologia na elaboração da problemática da imagem tratada na formação do eu e da própria constituição do sujeito que consiste no momento do desenvolvimento do indivíduo em que ele reúne suas pulsões, tomando a si próprio e a seu próprio corpo antes de passar para a escolha de um objeto que seja outra pessoa onde a identificação narcísica é um outro pelo qual o sujeito é descentrado em relação ao indivíduo, e a imagem primordial que está na origem e irá determinar a estrutura formal dele mesmo por um narcisismo construído a partir do outro e que o faz saber sobre si mesmo, ou seja, nós nos vemos como somos vistos pelos outros.

Assim, Narciso nos serve como uma importante reflexão, e o que me encanta é o fato que quando nos conhecemos deixamos de ter o espelho como referência do eu porque experimentamos as amargas facetas que nos dificulta encontrar o outro, desconstruindo a nossa própria onipotência. Ai podemos viver!

Música “Sampa” com Caetano Veloso.

 

Foto, Narciso de Caravaggio, uma pintura do mestre barroco italiano pintada por volta de 1597, atualmente na Galleria Nazionale d'Arte Antica em Roma.

Autor

Claudia Zogheib
Psicóloga clínica, psicanalista, especialista pela USP, atende presencialmente e online. Redes sociais e sites: @claudiazogheib, @augurihumanamente, @cinemaeartenodivã, www.claudiazogheib.com.br e www.augurihumanamente.com.br