O menino Ney

Estou muito satisfeito com o reconhecimento que tem sido dado ao menino Ney, por seus 50 anos de carreira solo. Ney de Souza Pereira, mais conhecido como Ney Matogrosso, nasceu em Bela Vista, uma cidade do Mato Grosso do Sul que faz fronteira como Paraguai. Viveu uma infância nômade, com mudanças de cidades frequentes devido à profissão do pai, militar. Começou como técnico de patologia no Hospital de Base de Brasília. Aos 25 anos mudou-se para o Rio de Janeiro, onde adotou o modo de vida hippie. Vivia da venda de peças de artesanato em couro. Em 1973 e 1974, fez parte do icônico conjunto Secos & Molhados. Sua voz de timbre único e sua performance no palco era algo muito diferente do que existia no cenário musical da época. Saiu para tentar a carreira solo em 1975.

Seu primeiro álbum, “Água do céu – pássaro” (1975) foi considerado extravagante demais. A capa era de papelão cru. A vendagem foi ruim. O sucesso só viria com o próximo disco: “Bandido” (1976), cuja canção título, “Bandido corazón”, de autoria de Rita Lee, foi tema da novela “Despedida de Casado”, da TV Globo. A partir daí, foram muitos discos de sucesso. Em 1979, no seu álbum “Seu tipo”, pela primeira vez, Ney trabalhou com a cara limpa. Até então ele se fantasiava e se maquiava exageradamente para não ser reconhecido nas ruas, com receio de manifestações homofóbicas.

Sua carreira foi caracterizada por uma excelente escolha de repertório. Gravou praticamente de tudo, de árias à boleros. Teve problemas com a censura, principalmente na década de 1970 e 1980. No álbum “Feitiço” (1977), aparece de peito nu na capa. A censura da época considerou a capa escandalosa e provocante. Recolheu o disco das lojas e depois determinou que o álbum só poderia ser vendido envolto em um plástico preto. Foi aí que explodiram as vendas.

Ele é um dos precursores da androginia como manifestação de arte. No começo, chocava. Hoje eu não sei se impressiona alguma criança com mais de cinco anos. Mas adotou ao longo da carreira inúmeros figurinos, até o “terno e gravata” como em um de seus melhores discos, “Pescador de pérolas” (1987). Também atuou como coreógrafo, iluminador e cenógrafo, inclusive realizando trabalhos para outros artistas.

É considerado pela revista Rolling Stone como a terceira maior voz brasileira de todos os tempos. A primeira voz, segundo a revista é Tim Maia e a segunda, Elis Regina. Todo ranqueamento tem seus problemas. Mas este é um assunto para outro artigo. O fato é que Ney Matogrosso, aos 83 anos, depois de uma carreira muito produtiva, ainda trabalha muito. Faz muitos shows. São mais de 40 álbuns em toda a sua carreira. Assisti a uma entrevista dele recentemente. Acredita que o mundo não lhe deva nada por ele fazer o seu trabalho. Outros “Neys” deveriam refletir sobre isso.

Autor

Toufic Anbar Neto
Médico, cirurgião geral, diretor da Faceres. Membro da Academia Rio-pretense de Letras e Cultura