O menino gaúcho e seu cavalo

Matheus hoje é um veterinário especializado em gerenciar fazenda de cria e engorda do gado de elite da raça “Angus”, na acolhedora cidade de Aparecida do Taboado, no estado do Mato Grosso do Sul. A cidade se notabilizou a partir de 1979, com o sucesso alcançado pelo álbum “60 dias apaixonado”, da dupla Chitãozinho e Xororó. cuja música título se tornou um clássico do gênero sertanejo e foi composta por Constantino Mendes, falecido em 2014, em São José do Rio Preto. Matheus nasceu em Bagé, no Rio Grande do Sul, cidade cujo nome tem origem indígena que vem do cacique minuano, chamado Ibagé ou da linguagem indígena "bag", que significa cerros. A cidade é considerada a rainha da fronteira pela sua proximidade com o vizinho Uruguai. Matheus teve toda a sua infância e inicio da adolescência morando no campo, na roça, como costuma dizer. Desde pequeno aprendeu a lidar com cavalos e o gado que era a atividade exercida pela família. Ainda menino, ganhou de presente o cavalo Campana Bandoleiro – Campana (pequeno sino), que indica a cidade natal do animal e Bandoleiro que é o nome de fato. Bandoleiro era o seu maior presente e companheiro e, nele vivia montado e cavalgando nas imediações quando não estava na escola. Aos 12 anos, como é próprio de meninos dessa idade, demonstrou certa rebeldia para com a mãe que exigia dele maior aplicação e empenho na escola, prometendo vender o Bandoleiro caso não tomasse tento. Essa “ameaça” começou a martelar em sua cabeça, na medida em que entendia que a promessa de castigo de tirar o Bandoleiro do seu convívio era algo impensável, pois seria o fim da sua liberdade de, livremente galopar nas campinas daquele lindo pedaço de chão gaúcho. Naquele dia saiu para cavalgar e não muito longe deparou-se com uma comitiva de boiadeiros que, de passagem pela região, fizera um pit stop para dar de beber água à boiada, já que a jornada seria longa tendo como destino o interior do vizinho Uruguai. Não foi difícil demonstrar as suas habilidades e ser aceito para integrar o grupo(hoje isso seria impensável e até considerado crime). Na sua cabeça de menino da roça de 12 anos, tudo valeria a pena para não perder o seu maior companheiro. Os pais e parentes deram pela sua falta no mesmo dia, no começo da noite e, além do desespero, saíram a campo para localizá-lo ou mesmo obter informações na vizinhança sobre o seu paradeiro. No dia seguinte, após procura por toda a região, tiveram informações que o viram junto ao grupo de boiadeiros que conduzia uma comitiva rumo ao país vizinho. Apesar dos esforços, Matheus só foi encontrado no interior do Uruguai após três dias e assim reconduzido para a sua casa e, é claro sem ser poupado de ouvir aquele sermão da sua mãe e promessa de não mais fugir e também de ser mais aplicado na escola. Apesar dessa proeza estava feliz, pois o objetivo fora alcançado, tendo sido retirada a “ameaça” de venda do Bandoleiro. A vida seguia tranquila e os passeios com o cavalo eram frequentes. Num desses passeios, pouco distante da sua casa, vislumbrou a possibilidade de recuperar um boi perdido no meio da invernada. Assim, conduzindo com habilidade o seu Bandoleiro passou a perseguir o tal boi marruá quando, ao seu aproximar e tentar desviar de um galho que quase o atingiu, o seu cavalo pisou em falso numa depressão existente no meio da mata, vindo a sofrer fratura exposta da pata dianteira. Com a queda, Matheus foi atirado ao chão sofrendo lesão na cabeça que o levou a um desmaio momentâneo. Ao recobrar a consciência, deparou-se com o sofrimento do animal deitado ao seu lado e entendeu que era a ora de se despedir do seu companheiro. Com os olhos em lágrimas e usando da tradicional faca que todo o gaúcho carrega na cintura, foi obrigado a sacrificar o animal. Foi assim que chorando e irresignado aplicou um golpe fatal no pescoço do Bandoleiro, já que não havia outra coisa a fazer para por fim ao sofrimento do animal. Horas depois foi localizado pelo seu pai que o levou para casa para receber os primeiros socorros. Ao contar esse episódio, ainda hoje Matheus fica com a voz embargada e os olhos cheios de lágrimas. Ainda hoje ele não se esquece do cavalo que marcou a sua infância. Também, não é para menos não é mesmo? Essa história do menino gaúcho faz lembrar o enredo do filme dirigido por Clarence Brown de 1946, “Virtude Selvagem”, que narra o amor do garoto Jody Baxter (Claude Jarman Jr.), por um filhote de cervo. Mais de uma década e meia depois esse filme, hoje disponível no YouTube, levou muitas crianças às lagrimas, inclusive esse colunista.
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