O Melhor de Si

O envelhecimento é o reconhecimento de um corpo que se fragiliza com uma instância que não envelhece, o inconsciente. Talvez um encontro ou desencontro que provoca um estranhamento e que desperta sentimentos pouco reconhecidos e contraditórios, mas que convoca quem está vivendo esta fase para um reposicionamento diante da própria existência.

O desafio em desconstruir uma concepção formatada de envelhecimento como época obscura e de não plasticidade, torna urgente que neste período a vida seja revisitada em uma nova versão, que pensar nela de forma improdutiva nega o que propõe a própria definição e significado da vida, tornando necessário deslocar esta questão para o campo simbólico, aberto às manifestações do inconsciente que vão além dos “tempos cronológicos”.

Freud entendia o “eu” como sendo capaz de desenvolver meios para responder às demandas pulsionais a partir do ambiente que diante da passagem do tempo se afunila às demandas do corpo biológico num ego que deve ser desenvolvido em sua própria essência a partir de um sujeito que possibilita que seu envelhecimento esteja envolvido numa reconstrução permanente, e que deve ser encarado como um processo, uma etapa do desenvolvimento que o faz se reconhecer pelo espelho do melhor de si, e que o torna capaz de criar sentido diante de uma fase que acumula experiência e sabedoria.

Envelhecer implica estar diante de um conjunto de renúncias narcísicas que se opõe aos desejos infantis: ser tudo, ser o tempo todo, convocando o indivíduo a investir sem obrigação de reciprocidade, fazendo-o estar diante da aceitação de uma realidade que se não experenciada de forma precisa, pode dar lugar a um sentimento de impedimento em seu próprio ser, exatamente porque não é o outro que se vai perder, mas a si mesmo diante do que foi ontem.

No inconsciente os processos são atemporais e não envelhecem, e os aspectos profundos do psiquismo encontram-se envolvidos num processo que requer amadurecimento e elaboração, atitude que contribui para que a pessoa perceba que o período de envelhecimento não é feito somente de perdas, mas também de aquisições diante de sua necessidade de reconstruir sua própria história interna, tão importante quando falamos em representação da passagem do tempo, em coisas únicas, individuais e preciosas que dão sentido à vida.

Neste sentido, lidar com a passagem do tempo nos faz perceber o quanto se pode crescer enquanto subjetividade e sentido que faz desejar a vida, e à medida que cada um envelhece de seu próprio modo, considerar tal singularidade é fundamental para se conceber como sendo capaz de aproveitar o tempo presente de forma única, dando a ele o melhor de si mesmo.

Este texto foi escrito ao som da música “Stand By Me” com The Kingdom Choir.

Autor

Claudia Zogheib
Psicóloga clínica, psicanalista, especialista pela USP, atende presencialmente e online. Redes sociais e sites: @claudiazogheib, @augurihumanamente, @cinemaeartenodivã, www.claudiazogheib.com.br e www.augurihumanamente.com.br | Foto: Renato F. de Araujo @renatorock1 ©