O grande trabalho de enterrar defuntos
A história que vou contar hoje aqui nos remete a alguns anos antes do surgimento de nossa cidade e do pequeno povoado que de início povoou essas terras.
Lá por volta de 1850, o mineiro Joaquim Alves Moreira, um desses grandes aventureiros que saíram para o sertão em busca de novas terras para plantar e desenvolver seus negócios, juntamente com alguns escravos, fez uma viagem para nossa região em busca de algo proveitoso.
Esse espírito de busca era comum no brasileiro daquele momento, onde muitos desses homens deixavam grandes horizontes de prosperidade, para sair para o sertão em busca de novas aventuras fecundas.
E foi exatamente o que aconteceu com Joaquim, que chegou em nossa região, naquele momento grande sertão bruto, com aproximadamente uns cinquenta anos de idade.
Não se tinha dúvida que a excelente qualidade das terras compreendidas em toda a região, que ia desde a futura estação Santa Sofia e vinha para onde mais tarde se localizariam as cidades de Santa Adélia, Ariranha, Pindorama, Palmares Paulista, Catanduva, entre outras, constituía uma gleba de grande invejável futuro.
Dessa maneira, Joaquim Alves Moreira, fez a aquisição legal dessas terras, num total de treze mil alqueires, porém, não chegou a tomar posse de tais terras.
Figueiredo
A posse só se deu quarenta anos mais tarde, quando em 1886, seu neto, Joaquim Alves Figueiredo, veio habitar nossa terra, se estabelecendo onde hoje se localiza o bairro São Francisco.
Após sua chegada, outros mineiros também foram de estabelecendo naquela região, formando um pequeno número de habitantes, não muito distante do ribeirão São Domingos.
Em 1889, chegou de Minas, juntamente com outros parentes, o Sr. José Lourenço de Figueiredo, filho de Joaquim Alves Moreira – que neste momento já havia falecido – e pai de Joaquim Alves Figueiredo, que aqui já se encontrava.
Sua casa, naquele momento, era feita de pau a pique, porém, confortável e ampla. Era a mais respeitável residência do núcleo sertanista daquela época.
Por aquele tempo, começou a aparecer nessa região um velho sacerdote português, o Padre José Bento, que vinha de Araraquara, em penosas viagens, para realizar na região os mais diversos serviços de ordens religiosas: batizados, casamentos, missas, ministrando conselhos, atendendo moribundos, sendo muito bem recebido por estar terras.
Grande problema
Em 1892, numa dessas viagens, notou o Padre José Bento que os moradores desta localidade lutavam com um enorme problema, que era a falta de um cemitério, já que a população estava aumentando cada vez mais, e São José do Rio Preto e Ribeirãozinho (hoje Taquaritinga) embora possuíssem um, estavam localizados muito longe do nosso antigo vilarejo.
Existia, porém, um pequeno cemitério em São Miguel, um pequeno povoado há muito desaparecido, que se localizava perto do que hoje é a cidade de Cajobi. Lá eram onde os catanduvenses iam enterrar seus mortos. Outrossim, teriam que enterrá-los debaixo de alguma árvore.
Era muito difícil levar os mortos para aquele lugar, devido à precariedade das estradas (se é que podemos chamar aquelas trilhas de estradas), andando mais de quarenta quilômetros em meio desses matagais, levando o defunto em lençol, sendo carregado por dois homens. Era muito complicada essa tarefa.
Vale destacar também o valor sentimental de se enterrar os mortos perto de seus entes queridos. Era quase impossível mulheres, idosos e crianças estarem presentes nos enterros de seus familiares ou amigos próximos, pois o cortejo fúnebre era formado de homens resolutos, uns de pé, outros a cavalo, que estavam dispostos a suarem no duro, numa árdua tarefa de revezamento, em caminhadas apressadíssimas, ficando no fim de longas jornadas, com os ombros doloridos e esfolados, além das pernas precisarem de salmoura e alguns dias de repouso. Além disso, ia na frente do cortejo sempre um sujeito de bons pulmões, cuja função era gritar com todas as forças, a cada espaço, em tom prolongado, aquelas palavras que metiam medo pavoroso de quem ouvisse: “Para as almas!”.
A última pessoa a ser enterrada no cemitério de São Miguel foi uma senhora, irmã de Antonio Augusto Ribeiro, que pesava aproximadamente uns noventa quilos. Aquele foi um dos mais sofridos enterros realizados na época, pois os homens estavam baqueados, cansados e exaustos pelo caminho. Conta-se que um negro que ajudava no cortejo, para não deixar que o cadáver “pernoitasse” na estrada, levou de forma honrosa o corpo da pobrezinha. Voltou estropeado, com os ombros machucados, sangrando, em cujas feridas assentara até bichos de varejeira. O conhecido Minguta, que também participou deste enterro, tomou uma tal canseira que pode retornar alguns dias depois.
Padre José Bento ouviu toda a história, baixou e cabeça e ficou comovido com o fato. Em conversa com José Lourenço de Figueiredo, disse que precisavam construir um cemitério aqui.
Fez uma reunião com os principais nomes da época, como José Lourenço de Figueiredo, Joaquim Alves Figueiredo, Juca Mineiro, Domingos Borges da Costa, Antonio Rodrigues e discutiram a criação deste cemitério.
A questão principal era onde esse cemitério seria criado. O grupo, tendo a frente esse animado sacerdote, saiu à procura de um local apropriado para a realização de tal feito.
Entre reprovações a aprovações, fiou-se estabelecido que o cemitério seria construído na Rua Brasil esquina com rua Recife, onde hoje temos uma lanchonete. Vale destacar que naquele momento, o lugar não apresentava nenhum prédio de certa importância, apenas alguns ranchinhos de sapé perto do ribeirão.
Padre José Bento deu exemplo: passou a mão na enxada e começou a capinar o matagal que existia no local. Limparam quatro alas, formando um quadrado de quase meio quarteirão. No centro do quadrado, improvisaram uma pequena capela, para a realização das missas fúnebres.
E após três dias de trabalho, o cemitério de Cerradinho estava cercado de madeira, onde foi realizada a primeira missa, contando com a presença da população local para a inauguração.
Esse primeiro cemitério teve apenas dezoito anos de duração, pois em 1910 parou de funcionar.
Antes da sua mudança, podia-se observar um de seus últimos túmulos, já um pouco danificado pelo tempo, e em cuja laje superior lia-se a seguinte inscrição: “Aqui jaz José Lourenço de Figueiredo, falecido a 28 de maio de 1899, com 73 anos de idade”.
Fonte de Pesquisa:
- Centro Cultural e Histórico Padre Albino
Foto: Nos primórdios de nosso povoado, era muito difícil enterrar os mortos, devido às grandes distâncias que tinha de ser percorrida. Na maioria das vezes, mulheres, crianças e idosos não conseguiam acompanhar o cortejo, que saía em um lençol e nos lombos dos homens.
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