O Eternauta: dos Quadrinhos Argentinos à Série da Netflix

O Eternauta é uma das mais emblemáticas obras de ficção científica dos quadrinhos da Argentina e mundiais, e estreou mundialmente este ano na Netflix, trazendo uma visão pós-apocalíptica de Buenos Aires após uma nevasca mortal que dizima a população e isola os sobreviventes, seguida da invasão de monstruosos alienígenas. A produção foi totalmente filmada na capital argentina, que não apenas serve de cenário, mas também reforça a identidade local da trama.
A HQ O Eternauta foi criada pelo roteirista Héctor Germán Oesterheld, considerado o pai dos quadrinhos modernos argentinos, e ilustrada inicialmente por Francisco Solano López. A publicação original ocorreu de forma seriada na revista Hora Cero Semanal entre 1957 e 1959, com uma segunda versão em 1969, ilustrada pelo genial Alberto Breccia.
O elenco é liderado pelo renomado ator argentino Ricardo Darín, (A Odisseia dos Tontos, 2022), no papel de Juan Salvo, O Eternauta do título, protagonista que luta para proteger sua família e amigos em meio ao caos de uma invasão alienígena. A série foi dirigida por Bruno Stagnaro (do drama Okupa, 2000), que buscou modernizar a narrativa original, trazendo a trama para os dias atuais e introduzindo novos personagens, assim, como uma estrutura de acontecimentos um pouco diferente da versão em quadrinhos.
Juan Salvo é retratado como um homem comum, veterano da Guerra das Malvinas que, diante do desastre, se torna elemento de resistência e coletividade, características centrais da obra original. Aos poucos, ele se torna uma figura que atravessa tempo e espaço, contando a história da invasão – na HQ, ele aparece no passado para um certo roteirista de quadrinhos (o próprio Oesterheld). Com seu grupo de amigos que se reúnem periodicamente para jogar truco, discutir política e ciência, Salvo usa uma roupa de mergulho com máscara para não ser contaminado pela neve mortal e parte em busca de ajuda e do resgate da sua família.
Inspirado na Guerra dos Mundos, de H. G. Wells, a série adquire contornos políticos e sociais, uma metáfora sobre as ditaduras latino-americanas, principalmente as argentinas, mas também ao imperialismo e às consequências da Guerra Fria no terceiro mundo. Todas as cenas foram gravadas em Buenos Aires. A cidade, historicamente marcada por poucas ocorrências de neve real, torna-se um personagem central na narrativa, amplificando o impacto do evento catastrófico retratado.
O autor, que mais tarde seria sequestrado e “desaparecido” pela ditadura militar argentina, assim como suas quatro filhas, utilizou a HQ para tecer críticas ao imperialismo, autoritarismo e às crises sociais no seu país. A história original rapidamente se tornou um marco cultural, sendo referência de resistência e luta coletiva, além de símbolo da defesa da democracia na Argentina. Obra á frente de seu tempo, apesar das mudanças na adaptação para o streaming, mantém o espírito crítico e inovador da HQ original, principalmente na pós-produção e efeitos digitais (os assustadores “besouros” gigantes alienígenas) consolidando-se como uma das mais importantes adaptações e tornou-se um ícone tão grande da cultura argentina que tem até estátua sua em praça de Buenos Aires, assim como outra figura icônica das tirinhas, argentinas, Mafalda.
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