O doce de morango

Há alguns dias, depois de um evento na faculdade, parei para tomar uma cerveja e comer um lanche em um lugar rotineiro. Estava cansado, com fome e sem grandes expectativas, só queria jantar e ir embora. Mas, na fila para pagamento, acabei assistindo a uma cena que me deixou refletindo mais do que o próprio evento jurídico.

Uma mãe com uma menina de uns sete anos, talvez oito. A menina estava com o celular na mão, completamente vidrada, trocando de vídeo a cada poucos segundos. Parecia uma dependente química (e quem pode dizer que não é uma forma de dependência?!), dessas que não conseguem desgrudar da dose. A mãe tentava falar com ela, mas era como se falasse com uma parede.

Aí a mãe cutuca e pergunta: “Qual doce você quer, filha?” Nenhuma resposta. A menina seguia mexendo no celular, com os olhos grudados na tela, como se o resto do mundo não existisse. A mãe insiste: “Pode ser o de morango?” Nada. E mesmo assim, a mãe vai lá e pede o doce de morango. Paga, pega o doce, mostra pra menina e diz: “Olha o que a mamãe comprou!”

E a menina? Continuou mexendo no celular, nem levantou o olho, e foi andando por intuição atrás da mãe para fora do estabelecimento.

Fiquei olhando aquela cena e pensando: o doce de morango vai ser só mais uma coisa que ela vai comer sem nem perceber o gosto. A mãe comprou, talvez achando que estava agradando, mas a menina nem queria. E talvez nem a mãe quisesse de verdade, talvez só estivesse repetindo o gesto automático de quem quer compensar a ausência com açúcar.

Claro, não tenho filhos, então quem sou eu pra falar alguma coisa?! Mas, ao mesmo tempo, não é preciso ser especialista para perceber que algo está errado nesta cena. A mãe disputa atenção com uma tela, a filha responde com silêncio, e o doce (que é outro vício) é só um detalhe no meio disso tudo.

Fico imaginando o quanto nós estamos assim também, distraídos, apressados, sem prestar atenção em nada, nos familiares, nas conversas, e nos prazeres da vida. Talvez a diferença seja só o tamanho da tela. A menina tem um celular, a gente tem um monte de responsabilidades, prazos, metas, dietas e notificações. No fim, todo mundo ali, cada um no seu canto, engolindo seu doce de morango sem sentir o gosto.

Se você leu até aqui, sem desistir e voltar às tentações na tela do celular, parabéns, merece um doce de morango!

E agora peço licença, pois chegou uma notificação aqui no meu celular...

Autor

Evandro Oliveira Tinti
Advogado, especialista em Direito e Processo do Trabalho pela EPD, mestrando em Direito e Gestão de Conflitos pela Uniara e coordenador da comissão de Direito do Trabalho da OAB de Catanduva, e articulista de O Regional