O direito das mulheres casadas: o passado e as perspectivas futuras
A história dos direitos das mulheres casadas no Brasil revela uma caminhada longa, marcada por avanços significativos rumo a uma desejada igualdade de género. Das Ordenações Filipinas, que regulavam a vida familiar na época colonial, ao Anteprojeto do Novo Código Civil, o país tem avançado no reconhecimento das mulheres como sujeitos de direitos plenos, especialmente no âmbito conjugal.
A subordinação e o controle no passado colonial eram características marcantes introduzidas pelas Ordenações Filipinas, legislação vigente no Brasil até o advento do Código Civil de 1916. Nesse período, as mulheres casadas estavam em uma condição de subordinação legal em relação aos maridos, que detinham o "poder marital", incluindo o controle total sobre as decisões familiares, a administração dos bens do casal e até a legitimidade para punir fisicamente, ou matar a esposa, caso fosse pega em adultério. A mulher era relegada ao espaço privado, sem autonomia para realizar atos da vida civil, como firmar contratos ou gerenciar o seu patrimônio.
Essa estrutura, de certo modo, foi perpetuada pelo Código Civil de 1916, que declarava a mulher casada como "relativamente incapaz", colocando-a sob o total comando do marido. A lógica de que o homem era o chefe da família consolidava a desigualdade conjugal, tornando a luta feminista por direitos uma questão urgente.
No século XX, as mudanças começaram a tomar forma com o Estatuto da Mulher Casada, promulgado em 1962. Esse marco legal retirou a incapacidade relativa das mulheres casadas, permitindo que elas trabalhassem sem a necessidade de autorização do cônjuge. No entanto, o homem ainda era reconhecido como chefe da família, mantendo a desigualdade no âmbito das decisões familiares.
Outro avanço significativo foi a aprovação da Lei do Divórcio, em 1977. Essa lei possibilitou a dissolução oficial do casamento, permitindo que as mulheres escapassem de uniões infelizes ou abusivas. Além de promover a autonomia conjugal, a medida representou um importante avanço cultural e jurídico.
A Constituição Federal de 1988 pode ser considerada um marco efetivo na conquista legislativa da igualdade, pois transformou o panorama jurídico brasileiro ao consagrar o princípio da igualdade entre homens e mulheres. No âmbito familiar, assegurou que os direitos e deveres do casamento fossem exercidos de forma igualitária. Esse avanço foi decisivo para eliminar resquícios legais de subordinação, como o conceito de "chefe de família".
Em um momento posterior, o Código Civil de 2002 consolidou os avanços oriundos da Constituição de 1988. Marido e mulher passaram a ser reconhecidos como iguais em direitos e responsabilidades, tanto na administração dos bens quanto na criação dos filhos. Essa legislação reforçou a ideia de parceria conjugal, abandonando práticas discriminatórias do passado.
Atualmente, uma conquista relevante é o Protocolo de Julgamento com Perspectiva de Gênero, lançado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em 2021. Esse protocolo orienta juízes e magistrados a considerar as desigualdades enfrentadas pelas mulheres nos processos judiciais, especialmente em questões de guarda de filhos, divórcios e partilha de bens. Ao reconhecer que as mulheres frequentemente enfrentam barreiras sociais e económicas, o protocolo busca garantir decisões mais justas e equitativas. Por exemplo, em casos de divórcio, o impacto das jornadas duplas (trabalho e cuidado doméstico) pode ser levado em conta na divisão de bens ou na determinação de pensões.
Quanto ao futuro, o Anteprojeto do Novo Código Civil apresenta novas perspectivas, pois promete trazer alterações ainda mais significativas. Entre os novos direitos previstos, está o divórcio unilateral extrajudicial, permitindo a dissolução da união diretamente no cartório, sem a anuência do outro cônjuge, um dispositivo que beneficia principalmente mulheres vítimas de violência doméstica.
Além disso, de acordo com o Anteprojeto, a vítima de violência doméstica não terá a obrigação de pagar pensão alimentícia ao seu agressor. Essas inovações reforçam o compromisso do ordenamento jurídico com a equidade de género e a dignidade da mulher.
As conquistas jurídicas alcançadas pelas mulheres brasileiras refletem um progresso constante, mas ainda há desafios a superar. A efetivação desses direitos depende não apenas de leis modernas, mas também de transformações culturais e institucionais que garantam a igualdade na prática.
Márcia Maria Menin. Mestre em Direito Civil/USP. Professora do Curso de Direito/Unifipa. Orientadora
Caio Nunes Brizzotti. Graduando em Direito pela Unifipa. Estagiário no Ministério Público/SP
Laura Uccelli Possebon. Graduanda em Direito pela Unifipa. Estagiária no escritório Rossi & Berto Advogados
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