O Dilema do Amor

Nascemos frágeis, indefesos, vulneráveis. Sem o amparo amoroso de figuras adultas, um bebê humano não teria possibilidade de sobreviver. Assim, é dentro de um contexto de dependência que aprendemos a linguagem do amor.

Essa associação entre afeto e desvalimento é a marca indelével dos vínculos que formamos ao longo da vida. E é na adolescência que se coloca o desafio crucial de desvincular a condição amorosa da situação de dependência. “Posso ser amado mesmo na discordância?”; “Se eu for diferente deles, ainda assim serei aceito?”. São essas as questões principais que estão por trás dos repetitivos confrontos entre o adolescente e seus pais. Se esse falso dilema entre liberdade e amor não for resolvido nessa etapa da vida, é provável que, quando adulto, o indivíduo não consiga formar vínculo amoroso saudável, que comporte uma entrega verdadeira sem prejuízo das individualidades.

Um dos resultados dessa confusão entre amor e dependência é a formação de um casal grudado, simbiótico, com a síndrome do “juntismo”: parece que essas pessoas não tem vida própria e sofrem de uma permanente ansiedade de que o vínculo amoroso possa se romper. É como se, para esses casais, o amor fizesse parte do universo das necessidades, e não dos desejos: os parceiros unem-se porque precisam um do outro, não porque querem estar juntos.

No outro extremo da mesma encrenca mal resolvida estão as pessoas que se tornam eternas solitárias, porque, para elas, um vínculo amoroso seria sinônimo de uma relação de dependência. Assim, para não abrir mão de uma ilusão de liberdade, tornam-se amargas e pouco afetivas, sempre se defendendo das emoções, próprias ou alheias.

A primeira é mais comum em adultos que, quando adolescentes, acreditaram ter de renunciar à própria independência para conservar o afeto dos pais. Na maioria das vezes, o teste nem mesmo chegou a ser feito: esses adolescentes fugiram do confronto por medo de se verem desamados. O segundo caso é o de adultos que, quando adolescentes, romperam afetivamente com os pais na ilusão de que assim preservariam a própria autonomia e integridade: por medo de se sentir dependentes, abrem mão de uma relação amorosa. Em sua fantasia, o amor lhes impõe um preço alto demais, que não podem ou não querem pagar.

Assim, os confrontos com um filho adolescente não têm só a função de traçar limites e firmar regras de convivência familiar, mas servem, sobretudo, para delinear os caminhos que afeto e dependência podem trilhar.

Isso não significa que todas as divergências devam se transformar em combates mortais, mas sim que algumas batalhas são importantes em si, para além do conteúdo específico que lhes serve de pretexto. Não fugir da briga, não abrir mão das próprias convicções, mas ouvir o jovem com respeito faz parte da importante tarefa de ensiná-lo a amar. É assim que ele aprende que continua a ser amado, mesmo quando suas atitudes são condenadas. E é assim que ele descobre que amor e independência podem e devem andar juntos.

Autor

Ivete Marques de Oliveira
Psicóloga clínica, pós-graduada em Terapia Cognitivo Comportamental pela Famerp