O dia do orgulho e os fragmentos do preconceito

Vinte e oito de junho é considerado o Dia Internacional do Orgulho LGBTI+, data que marca um confronto ocorrido entre policiais e pessoas LGBTI+ na cidade de Nova Iorque, EUA, em um bar denominado Stonewall Inn, reduto de jovens gays, transexuais, negros e latinos. Nesse dia, as pessoas ali presentes decidiram reagir a uma violenta incursão policial que não durou apenas uma noite, mas se estendeu pelos próximos quatro dias. Esse momento ficou conhecido como a Revolta de Stonewall, tornando-se um marco simbólico da luta contra a discriminação de pessoas LGBTI+. Junto à revolta, emergiu o conceito de orgulho, pois aquilo que outrora foi ensinado a reprimir e a disciplinar apareceu publicamente como força e resistência.

Não obstante esse relevante marco e suas consequências históricas, ainda existem países que criminalizam a homossexualidade. De acordo com informações do Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids - Unaids - 67 países ainda consideram crime a relação entre pessoas do mesmo sexo, e 10 deles impõem a pena de morte.

No Brasil, as Ordenações Filipinas, legislação de Portugal que vigorou até a criação das nossas próprias leis, determinavam que aquele que cometesse “pecado de sodomia” era queimado e “feito por fogo em pó”. Ainda impunha que, se alguém soubesse de conduta homossexual de outrem e informasse à Coroa, seria premiado com metade das propriedades confiscadas do acusado e, se ele não tivesse propriedade, o delator receberia da Coroa certa quantia em dinheiro após a prisão do indivíduo homossexual. Foi somente em 1830, com o advento do Código Criminal do Império do Brasil, que a criminalização da homossexualidade herdada de Portugal foi extirpada de nosso país.

Anos se passaram e, apesar de o Brasil não criminalizar a homossexualidade, durante o período da ditadura civil-militar no Brasil, mostrava-se comum a repressão a homossexuais, transexuais, travestis e prostitutas, prendendo-os e enquadrando-os no crime de vadiagem ou atentado violento ao pudor. Bastava, para tal fato, que essas pessoas – ditas desviantes e subversivas – estivessem frequentando lugares tradicionalmente voltados para os seus, fato sobremaneira comum, tendo em vista que dificilmente eram aceitos fora de seus guetos.

Recentemente, no ano de 2019 e também no mês de junho, o Supremo Tribunal Federal decidiu pela criminalização da homotransfobia, equiparando-a ao crime de racismo já regulamentado pela Lei 7.716/1989. Poderíamos pressupor, a partir de então, que a referida criminalização tenha resolvido os problemas que se referem à violação de direitos da comunidade LGBTI+. Porém, o Direito não é um instrumento eficaz o bastante para a modificação da conduta social, nem tampouco do olhar desatento e preconceituoso dos indivíduos, e isso é possível provar: de acordo com o dossiê publicado pelo Observatório de Mortes e Violências LGBTI+ deste ano, em 2023 morreram de forma violenta no país 230 pessoas LGBTI+. Dessas mortes, 184 foram provenientes de assassinatos e, desse modo, o Brasil continua liderando o ranking dos países que mais matam pessoas LGBTI+.

Assim, destinar um dia específico às comunidades não hegemônicas e historicamente marginalizadas e, com isso, replicar ações de conscientização e vedação ao retrocesso são atos que, associados ao Direito, poderão ser propulsores de considerável erradicação da desigualdade e dos grandes fragmentos do preconceito. Que possamos, em conjunto, seguir essa jornada!

 

Márcia Maria Menin

Mestre em direito civil/USP. Docente do curso de Direito/UNIFIPA e coordenadora do Projeto de Extensão “Direito e Sexualidade”.

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Artigos de colaboradores e leitores de O Regional.