O desequilíbrio de poder nas relações heterossexuais

Mesmo após décadas de progresso da redução das desigualdades de gênero, as mulheres ainda são objeto de discriminação. Há aquelas que permanecem presas em casamentos abusivos devido às consequências de uma separação, onde podem ser julgadas como levianas.

Existe uma dinâmica construída sobre séculos de patriarcado, onde a mulher aprende a dizer sim e o homem a demandar. A mulher passa anos se anulando, abrindo mão dos seus desejos, para viver os do marido. Ela nem percebe que está abrindo mão de si. É um processo muito sutil. Esse jogo de poder se baseia em escolhas dela também.

O fato é que ninguém consegue abrir mão de si para sempre. Chega uma hora em que todo o desejo reprimido procura lugar para sair. Ao se anular, ela tem um papel como sujeito nisso e cabe a ela, não a ele, mudar as coisas.

E o que acontece a um casamento quando a mulher decide viver seus desejos e entende que isso não cabe dentro daquela relação que foi construída em cima de sua anulação?

O homem sente muita dificuldade em reconhecer que a mulher é capaz de fazer escolhas. Ele tenta, de muitas formas, se manter apegado a uma ideia de que aquilo vai passar. Porque é inconcebível para ele essa decisão da mulher de agir por vontade própria.

A mulher que vai em busca de protagonismo na própria vida encontra a dificuldade do homem em lidar com isso. Eles negam a expressão delas desse desejo. Porque é duro reconhecer e admitir que aquelas são suas escolhas, depois de tanto tempo em que elas passaram sem fazer escolhas.

Terminar um casamento ou relação nunca é fácil. Assumir responsabilidade por suas escolhas e por sua vida não é fácil. Aceitar que a outra pessoa é sujeito também não deve ser.

Para mulheres que buscam sair da anulação, às vezes é preciso terceirizar sua raiva para lutar, porque sozinhas talvez não consigam. Vão estar em campo as mesmas forças que fizeram o jogo de poder daquela relação por anos.

Autor

Ivete Marques de Oliveira
Psicóloga clínica, pós-graduada em Terapia Cognitivo Comportamental pela Famerp