O Carnaval e o Divã

A fantasia é um conceito importante no escopo da teoria psicanalítica de Freud que bem cedo se deparou com o tratamento das histéricas numa realidade psíquica que a faziam emitir no corpo sua dor. Enquanto suas pacientes se apresentavam submetidas ao desejo reprimido que o fez localizar nesta condição a criação de um sujeito que traumatiza e faz sintoma, as cenas revelavam uma quantidade de repressão que o fazia suspeitar que algo ainda não podia ser sentido, vivido e nomeado.

Enquanto a criança libera suas fantasias brincando, o adulto ao reprimir provoca sintomas e almeja um momento para entende-los ou onde se permita liberar seus mais profundos e secretos desejos. Tanto na criança quanto no adulto estamos falando de sujeitos que tem necessidade de entrar em contato com tudo o que não foi possível elaborar no próprio movimento de suas vivências e que necessitam de tempo e manejo para entender sua própria dor.

No carnaval, a permissão sem necessidade de explicação favorece extravasar sem se preocupar com reprimir, tendo prazer em desfrutar de momentos que se misturam entre fantasia, realidade e desejo e que se entrelaçam num movimento sincronizado que a festa proporciona. A máscara, longe de ser apenas um adorno, sobrevive como efeito catártico que permite extravasar quem deseja ser o que acaba facilitando ressurgir outros eus de si mesmo para lembrar o que reprimimos.

A fantasia sendo um recurso utilizado na satisfação parcial de um desejo inconsciente cuja satisfação ficou frustrada, no carnaval é levada para a festa como herdeira da carga de libido do complexo de édipo que sucumbiu ao recalque.

São muitos eus no mesmo corpo que acordam e tentam se conversar quando a cuíca começa a tocar o primeiro samba enredo. É como se pudéssemos dizer: quando eu não estou sendo eu posso ser quem desejo, ou, quando eu me fantasio consigo ser eu.

No divã vamos nos apresentando para nós mesmos aos poucos e cada vez mais com aproximação destes eus dispersos e desgovernados, desejando coragem para saber de nossos próprios desejos e quem de fato somos.

Bom carnaval!

Música “Você já foi a Bahia” com Nana Caymmi, Dori Caymmi e Danilo Caymmi.

Foto do Acervo, Carnaval na Bahia

Autor

Claudia Zogheib
Psicóloga clínica, psicanalista, especialista pela USP, atende presencialmente e online. Redes sociais e sites: @claudiazogheib, @augurihumanamente, @cinemaeartenodivã, www.claudiazogheib.com.br e www.augurihumanamente.com.br