O cantor sem multidão

Daquilo que Ele me deu, não tenho muito do que me queixar. Mas se tivesse escolha, se existisse aquele questionário para marcar um xis, eu assinalaria no quadradinho da “voz”. Adoro música. Escuto música o tempo todo. Gosto mais ainda de cantar. Esse é o problema. Voz anasalada, fraca, sem ritmo. Considero-me afinado. De tanto ouvir música. Mas até aí, não quer dizer nada. Tem quem ache que até o Dunga, capitão do tetra, de tanto entrar em campo, aprendeu a jogar bola. Discutível. Jogar bastante não significa saber jogar.

Neste suposto questionário, ao assinalar um xis na voz, abriria novos campos para você escolher o tipo de voz, e opcional, algumas características de seu dono.

Não escolheria a voz fraquinha, pequenininha, monotonazinha e sensivelzinha do João Gilberto. Era uma virtuose no violão nas já pensou parar de cantar por causa do barulho de ar condicionado?

Nem a do irregular, escrachado, brigão e inquieto Tim Maia. Esse tinha voz. Talvez o maior de todos os tempos da MPB. Mas não aguentaria consumir tudo o que ele mandava para dentro. Pelos mesmos motivos, não pegaria a voz de trovoada do Nélson Ned, que fez mais sucesso na América Latina do que aqui. Poucos sabem, mas foi o primeiro estrangeiro a vender um milhão de discos nos Estados Unidos. Falando nisso, não escolheria ninguém que tentou cantar em espanhol. Brasileiro cantando em espanhol é um desastre. O pior disco que já ouvi na minha vida foi de uma cantora brasileira tentando fazer isso.

Do Vinicius de Moraes, pegaria só o hábito de contar a história de cada música. Não conseguiria casar nove vezes nem beber o tanto que ele bebeu.

Passaria reto da voz depressiva do Nélson Cavaquinho, da voz de cigarro do Adoniran Barbosa, da voz fraquinha do Cartola ou do breque do Bezerra da Silva.

Embora o gênero musical não seja da minha preferência, balançaria entre a voz do Xororó ou do José Rico. Inigualáveis. Teria que ouvi-los cantando outras coisas para me decidir.

Eu ficaria em dúvida com os vozeirões da MPB. São muitos. Eles ficam prejudicados na minha avaliação pela qualidade das gravações da época em que viveram. Mário Reis, Silvio Caldas, Luiz Gonzaga, Carlos Galhardo, Agnaldo Timóteo, Agnaldo Rayol, Vicente Celestino, Orlando Silva, Cyro Monteiro, Jorge Goulart, Tito Madi, o lendário Cauby Peixoto e o meu preferido, Nélson Gonçalves.

Teria problemas em me decidir pela versatilidade do Emílio Santiago ou dos ex-crooners de baile como o Jessé ou Milton Nascimento.

Voltando à realidade: eu não daria certo como cantor. A voz não ajuda. Se trabalhasse num barzinho não animaria ninguém. Todo mundo dormiria e não consumiria nada. Espantaria fregueses. Sem dúvida nenhuma, Ele sabe o que faz.

Autor

Toufic Anbar Neto
Médico, cirurgião geral, diretor da Faceres. Membro da Academia Rio-pretense de Letras e Cultura. É articulista de O Regional.