O Brasil no Divã

Para que qualquer imersão a si mesmo seja possível, na tentativa de amenizar sofrimentos, é inegociável ter a coragem de olhar as negações e suas repetições.
É curioso, mas quando negamos e não queremos olhar, e não aguentamos os silêncios das próprias formações patológicas, retornamos ao recalcado com atitudes vexatórias, esperando que um dia quem sabe os agravos possam se comprometer com as próprias condutas.
Os chistes e atos falhos estão na representatividade daquilo que não ousamos dizer ou constatar em nós mesmos, mas simbolicamente representam um desejo reprimido.
Para Freud, o chiste requer um laço social entre três sujeitos: o autor do chiste, o alvo do humor ou hostilidade, e o público que se beneficia do prazer.
Em sete de setembro de 2025, em plena avenida Paulista - SP, uma bandeira surgiu para dizer de si mesma, representando algo que talvez nem mesmo saibam com profundidade a partir de um conhecimento que se adquire da coragem de enxergar o que está por trás das próprias atitudes. E constatamos aquilo que já sabemos, dura realidade em pleno século XXI onde o duplo nos atenta o tempo todo em razão de uma incompreensão histórica. É o país em que vivemos.
Wilfred Bion, psicanalista inglês, falava que os objetos bizarros são impressões de objetos externos que, através da identificação projetiva, adquirem características da personalidade do sujeito formando uma "tela" hostil que resultam de ataques psicóticos à ligação normal entre os objetos, e criam um mundo fragmentado onde as pessoas se sentem ameaçadas, e quando estão "preenchidas" com elementos do superego e do ego evacuado, confundem os limites entre o interno e o externo impondo um moralismo autoritário, fazendo com que indivíduos se sintam vigiados ou assediados pelo ambiente.
Na identificação projetiva, os objetos externos que o sujeito "alimenta" como parte de si mesmo, com os impulsos destrutivos ou as funções do ego, através da identificação projetiva, ficam à mercê de uma cocriação dele mesmo, e servem para mascarar a realidade que naquele momento está difícil de ser encarada, porque a encarando, terão que compreender a si mesmo aprofundando a percepção do eu em relação a si e ao outro.
Num Brasil dividido, enquanto a incompreensão ameaça o próprio devaneio, atacar, negar e se vitimizar é o caminho mais fácil porque, para compreender as próprias atitudes, será necessário deitar o Brasil no divã, ou seja, entender a origem das próprias atitudes, até filogeneticamente falando. O quão difícil e ameaçador pode ser perder um chão que se impõe e que se anestesia no vazio da destrutividade e que empurra o sujeito para o não pensamento.
Pensar em psicanálise é provocar-se ao conhecimento histórico que faz um pensamento para um pensador, nos trazendo aos fatos que partem de uma imersão dinâmica com coragem para entender o porquê agimos de uma forma ou outra.
Para o Brasil de todos, passeatas e bandeiras são um refluxo da falta de conhecimento histórico enquanto brasilidade, e na aplicação democrática da razão, que prevaleça a verdade, sobretudo a consciência de si mesmo enquanto uso do próprio conhecimento que, cada vez mais, adquire importância primordial à medida que ousamos nos acessar para então sermos capazes de pensar as próprias atitudes para um país cada vez mais justo e seguro.
Para fazer análise é preciso ter coragem para se submeter ao divã simbólico ou real, vez por outra corrompido pela cegueira histórica que insiste no mal uso da própria capacidade em se reconhecer no meio da multidão.
Pensar quem somos faz parte do acerto de contas no início de uma análise, e está implícito ter o desejo e coragem, amor à verdade, mesmo que isto custe lutos, mudanças, renovos, atravessar dificuldades, se abrir para revelações, se reatar com desejos interrompidos, entendendo o porquê agimos de determinada maneira, etc. Mas vale a pena, porque nos faz indivíduos de nós mesmos, unidos pela força democrática onde todos os credos, raças, classes sociais, etnias possam se sentar à mesa, querendo festejar a democracia.
Música “Eu Não Sou da Sua Rua” - ao vivo, com Marisa Monte.
Foto do acervo @zogheibclaudia
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