O Avesso do Coletivo

Estaremos cada vez mais sozinhos, num mundo cada vez mais populoso. Todos conectados a um sistema de informática que controlará nossa agenda e tarefas diárias, com o qual nos relacionaremos e que até ditará o rumo de nossas vidas.

É a um cenário semelhante a esse que o filme “Her” (Ela) nos leva: um plano futuro em que a internet será acessada por meio de um ponto auricular guiado por comandos de voz, possibilitando controle de e-mails, contatos e compromissos.

Entretanto, essa mesma tecnologia, que substitui teclados e mouses, tornará as pessoas cada vez mais solitárias – imagine um mundo em que todos conversam com uma voz de seu próprio computador e não com quem está em sua volta?

Com isso, surgem relacionamentos afetivos pra lá de estranhos. O protagonista, por exemplo, apaixona-se por Samantha, um moderno sistema operacional que simula reações humanas e evolui a partir das experiências “vividas”.

Parece algo muito distante da atualidade? Não acredito. Basta pensar que uma prévia dessa paisagem futura já pode ser vista hoje em dia, à medida que as pessoas se entregam às redes sociais e buscam o “parceiro ideal” em sites na internet.

Na mesa de um barzinho, todos teclam no celular ao invés de conversar uns com os outros. Numa apresentação musical, a maioria permanece preocupada em filmar e fotografar o show, como se dispersos – quase sem mergulhar no prazer sonoro.

Por isso tudo, de certo modo não dá para se assustar de verdade com o que o premiado filme de Spike Jonze propõe. Já estamos inseridos, e acostumando-nos, pouco a pouco, a essa realidade. Parece futuro, mas já estamos caminhando a ele.

O filme “Her”, vencedor do Oscar e do Globo de Ouro de melhor roteiro, oferta a oportunidade ideal para refletirmos e repensarmos nosso comportamento enquanto pessoas – cada vez mais coletivos e, ao mesmo tempo, mais sozinhos.

Expõe-se uma espécie de círculo vicioso da sociedade moderna: determinadas tecnologias evoluem para suprir um vazio das relações humanas que, até certo ponto, é causado pela própria evolução da tecnologia, que afasta as pessoas.

Olhando por determinado prisma, é como se, ao passo que a tecnologia evolua, nossos relacionamentos regridam. Ficamos absortos com as novidades do mundo virtual e tecnológico e mal percebemos que o tempo e a vida vão passando lá fora.

Apesar de tudo, não há muito o que possamos fazer. Deixar o celular de lado num bate-papo entre amigos ou interagir com os outros no mundo real são boas iniciativas. Se as pequenas coisas é que valem a pena, é exatamente nesse aspecto, em pequenos momentos e gestos, que devemos focar.

Autor

Guilherme Gandini
Editor-chefe de O Regional.