Nossos filhos não são nossos filhos
A cada época correspondem certas ideias, crenças e valores. No passado pensava-se que uma família numerosa, com muitos filhos, era indicativo de harmonia, felicidade e até mesmo fé. Atualmente as sociedades mais desenvolvidas têm cada vez menos filhos, e como regra as famílias mais estruturadas são menores.
Aprendemos que a quantidade não significa necessariamente qualidade. O muito realmente não significa o melhor, assim como o pouco não é sinônimo de pior. Como entretanto a sociedade materialista é muito focada na aquisição e consumo das coisas como sendo em si um bem, somos condicionados a acreditar que quanto mais temos, usufruímos e acumulamos, mais seremos felizes.
Ledo engano, e especialmente quando tratamos do tema “família”, até porque parente (descendentes, ascendentes ou colaterais) não é algo que, a rigor, temos ou deixamos de ter. Ainda somos muito possessivos em relação às pessoas com quem temos laços familiares sanguíneos. Quando, referindo-nos à família, usamos os pronomes possessivos (meu, minha), vem junto a ideia de que certas pessoas são nossas, e então incorremos no equívoco fundamental de carimbarmos umas como sendo melhores ou mais importantes que as outras.
É nesse contexto que a ideia de “ter um filho” torna-se sedutora, a ponto de se tornar para muitos um dever moral e religioso. A ponto de ser interpretado como um prêmio divino.
Criança não é algo que se tem, que se ganha ou que se dá. Não é um presente, um troféu ou uma conquista. É um ser humano pelo qual somos responsáveis por certo período. Nosso papel como pais é o de viabilizar fisicamente o seu nascimento, de apoiar e acompanhar o seu processo de maturação, até que ele declare a sua independência e siga o seu caminho.
O filho não veio para nos fazer felizes ou para dar um sentido para nossas existências, embora o exercício da maternidade e paternidade seja talvez a mais rica oportunidade de aprendizado e a mais relevante missão de nossas existências.
Não precisamos gerar filhos. Precisamos – isto sim – nos transformar em pais e mães que realmente se importem, e não apenas com os nossos filhos, mas com todos eles, sendo irrelevante quem os tenha gerado. Nas palavras inspiradas de Khalil Gibran, em poema de sua autoria:
“Vossos filhos não são vossos filhos, são os filhos e as filhas da eterna ânsia da vida por si mesma.
Eles não vem de vós, mas através de vós, e embora vivam convosco não vos pertencem.
Podeis outorgar-lhes o vosso amor, mas não vossos pensamentos, porque eles têm os seus próprios pensamentos.
Podeis abrigar seus corpos, mas não suas almas, pois suas almas moram na mansão do amanhã, que vós não podeis visitar nem mesmo em sonhos.
Podeis esforçar-vos para ser como eles, mas não podeis fazê-los como vós, porque a vida não anda para trás e não se demora com os dias passados.
Vós sois os arcos dos quais vossos filhos são atirados como flechas vivas. O arqueiro mira na senda do infinito e vos estica com toda a sua força, para que suas flechas voem, rápidas e para longe.
Que vosso encurvamento seja vossa alegria, pois assim como ele ama a flecha que voa, ama também o arco que permanece estável.”
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