Nem vilão, nem herói

Todas as pessoas querem ser felizes. Embora cada qual possa explicar a ideia de felicidade de um jeito, a proposta básica é escapar do sofrimento e se aproximar das situações geradoras de bem-estar. Trata-se de um instinto de todos os seres sencientes: sentir-se atraído por coisas agradáveis e repelido por coisas desagradáveis.  

Nós sabemos que não é possível ser feliz durante todo o tempo. As nossas existências têm as suas limitações, os seus ciclos, e em consequência revezamos períodos de alegria e tristeza, fases em que tudo parece correr bem, e outras em que as dificuldades se apresentam, e assim a vida vai seguindo entre vales e montanhas.  

A questão é que muitas vezes projetamos essa busca da felicidade em objetos muito superficiais. Olhamos para as coisas materiais e acreditamos que elas vão nos conduzir a uma situação genuína de bem-estar. Ao apostar que os objetos externos têm potencial para nos conduzir a um estado de contínua felicidade, a consequência inevitável é a frustração. E a primeira das razões é a natureza impermanente da realidade em que vivemos, marcada pelos inevitáveis fenômenos do nascimento, envelhecimento, doença e morte.  

Não se trata de postergar o envelhecimento, de negar a morte, de travar uma guerra contra a doença ou de atribuir ao nascimento o ingresso em um mundo de medo, agonia e pessimismo. Nada disso. É nessa condição humana que temos a preciosa oportunidade de transcender. Transcender é ir além, é reconhecer uma dimensão espiritual que triunfa sobre os estreitos limites da existência material.  

Para não se deixar enganar pelo esse triste enredo que nos contaram - em que o final sempre coincide com a morte do protagonista - alguns passos são fundamentais. O primeiro deles é reconhecer a nossa natureza espiritual que transcende o corpo físico. O segundo é não ceder aos arroubos do consumismo e da acumulação de coisas materiais. O terceiro é nos enxergar nos olhos do próximo, reconhecendo a nossa irmandade essencial.  

A verdade é que despendemos muita energia e muito tempo correndo atrás de sombras, ou lutando contra moinhos de vento. Enquanto desperdiçamos vida com distrações (vida é tempo!), as pessoas e o planeta estão precisando da nossa atenção. Sim, porque há forças destruidoras atuando largamente no mundo, mas não se trata de encarnações malignas, ideologias conflagradoras ou forças da natureza. Não adianta atacar os outros, inventar inimigos, atribuir a responsabilidades a terceiros. Somos nós! Os vilões sempre fomos nós os humanos.  

É chegada a hora de assumir a nossa responsabilidade, mas não basta trocar o papel de vilão pelo de herói. É preciso assumir o de irmão. 

 

 

 

Autor

Wagner Ramos de Quadros
Juiz do Trabalho e diretor de Relações Institucionais da Arcos.