Nem de graça

“A cultura, sob todas as formas de arte, de amor e de pensamento, através dos séculos, capacitou o homem a ser menos escravizado.”

André Malraux

Escritor francês de assuntos políticos e culturais.

“Não gosto de teatro!”, disse aquela que nunca assistiu a uma peça teatral. “Mas tem que pagar?”, questiona o outro que consome diariamente coisas supérfluas e fúteis, capitalista ao extremo, ou seja, cultura para ele é descartável.

A política cultural da entrada franca criou um costume pernicioso fazendo com que a sociedade acredite que tudo deve que ser gratuito e, em razão disso, desconsideram que por trás da maioria dos eventos culturais há muitos profissionais que sobrevivem exclusivamente de sua arte.

Em nossos dias impera a ignorância, fruto de um processo muito bem engendrado nos anos 60, com a ditadura militar, e que teve seu processo de clonagem de 2019 a 2022 com uma nova carga de investimento pesado contra a educação, a arte e a ciência.

Não gostar de teatro sem ter assistido jamais um espetáculo remete à velha batalha materna para os filhos experimentarem uma comida e sempre ouvem das crianças: “não gosto!” e a mãe insiste: “se não comeu, como sabe se vai gostar ou não?”

As políticas culturais devem começar e se fortalecerem na parceria com a educação. Escolas abrindo portas para a cultura entrar em seus pátios e salas de aula, ou levando seus alunos aos teatros e espaços culturais.

Porque o problema é muito maior do que imaginamos.

Apresentando a premiada peça teatral “Candim”, em Catanduva, vivenciamos um pouco de tudo exposto acima: primeiramente, cobrança de ingresso que afasta muito público porque as pessoas não querem “gastar com teatro”; segundo, distribuímos algumas cortesias e houve quem recusou, simplesmente porque “não gosta de teatro” ou tem interesse, mesmo de graça e, finalmente, pessoas que, pagando ou não, riram e se emocionaram, vivendo cada segundo do espetáculo e que, no final, conversando conosco, confessaram que nunca haviam assistido a uma peça de teatro.

Aliás, isso é muito comum em nossa jornada de quase 30 anos: sempre nos deparamos com adultos que, ao término da apresentação, nos dizem que foi a primeira experiência no teatro. E, se lamentam por não terem assistido antes.

Voltamos a André Malraux com sua precisa colocação sobre a cultura que capacita o homem a ser menos escravizado. Esses do “nunca assisti, mas não gosto” são os escravizados pela ignorância, pelo sistema que não investe no aprendizado. Não sentem falta porque não tem a vivência cultural, contudo, sempre haverá um limite e um vazio. Isso incomoda, mas não têm essa consciência. Quem viveu uma vida inteira sem o que a cultura pode oferecer, talvez não se incomode. Até o momento em que o acaso permita um despertar estético com uma expressiva carga emocional através de uma peça teatral ou de um poema, de uma arte visual ou de uma dança. Uma explosão de cores e possibilidades nascem em sua fronte e, ao olhar para trás, perceberá sua limitação e que agora tem recursos para se libertar das trevas da ignorância

Autor

Drika Vieira e Carlinhos Rodrigues
Atores profissionais, dramaturgos, diretores, produtores de teatro e audiovisual, criadores da Cia da Casa Amarela e articulistas de O Regional.