Não gosto da minha mãe

Amor maior do que o de mãe existe? A boca não pensa, responde. Nenhum. Impossível maior. Sempre pronta, a mãe deixa a vida, pela vida do filho, se preciso for. Olhos vigilantes em cada minuto. A respiração no berço, o dente nascendo, o termômetro, o horário do remédio, o primeiro passinho, o início da escola, a roupa que combina, o frio, o calor, nada lhe passa despercebido.
Em semana de justas homenagens, poemas, velhos retratos, saudades infindas, frases superlativas, a vida inunda-se de amor. Tudo é agradecimento, ainda que impossível retribuir, na mesma medida, o amor recebido. Conta nunca quitada.
Acontece que a vida não gosta de olhar a vida por um lado só. Tristeza e mágoa no outro lado sempre haverá. Longe do festivo almoço, longe dos abraços, longe dos presentes, alguém estará chorando a velha ferida que, nessa data, reabre e dói muito mais. Não gosto da minha mãe. E muitos não gostam. É a vida, fazer o quê?
Como sangra esse amor frustrado... Como dói não fazer parte da festa, não ser personagem do retrato. Onde errei, onde ela errou? Que mãe foi essa que não se fez amar? Que amou mais um filho sem perceber o quanto doía no outro? Que negou colo quando dele mais se precisou? Que dizia frases secas de os ouvidos machucar? Que filha fui eu? Que não soube entender, conviver, amar a própria mãe? Que não mediu as frases de machucar? Vozes interiores que ecoam machucando.
Desgostar da mãe é desgostar de si mesmo, sentir-se excluído, punido, sem saber exatamente de quem a culpa é. Aliás, nem sequer é possível dizer que culpa houve. Se culpa existe, é desse olhar comercial, mentiroso que tanto lucra idealizando uma mãe pouco humana. A tal ponto que o endeusamento não deixa perceber que a mãe foi filha também. Talvez uma criança infeliz, talvez mulher desamparada, talvez traumatizada, que a vida não poupa ninguém. O amargo também tem os seus porquês. Mulheres assim sofridas dão o amor possível. Acertam, erram, humanas são. Falar em culpa nos desacertos entre filho e mãe é passo desastrado diante da história que a vida escreve e nos obriga a viver.
Roberto Magalhães
Professor de redação e escritor
Autor
