Não deixe o samba morrer
Quando criança, lá em casa tocava bastante samba, notadamente do pianista Benito di Paula e do ex-compositor da Jovem Guarda, Luiz Ayrão (também advogado e procurador do estado da Guanabara). Tinha também o transportador de bagagem Agepê, o atualmente dono de boate no Guarujá, Luiz Américo e o ativista da luta pelos direitos autorais, Gilson de Souza (Pôxa).
Esse meu primeiro contato com o samba foi com o que se chama hoje em dia de samba jóia, apelido pejorativo com que os críticos da década de 1970 batizavam os sambas românticos e supostamente bregas, mas que já foram gravados por muita gente boa. Engraçado, se é o Peninha, cantor contemporâneo dessa turma, que canta “Sonhos” todo mundo chama de música brega mas se é o Caetano Veloso que canta aí vira clássico da MPB...
Com o samba jóia era a mesma coisa. A má vontade dos sambistas tradicionais vinha do fato que fugia dos moldes cariocas, do morro, das escolas de samba. Era um pouco de samba rock (mistura de samba com soul music – vide Jorge Benjor), bolero e Jovem Guarda.
Ainda em Andradina conheci a música do sargento do exército e contabilista Martinho da Vila. Militar e contabilista? Dá para acreditar? Conheci também de raspão a música de outro militar, o sargento do exército Castro, mais conhecido como Wilson Simonal.
Quando fui estudar fora, conheci de cara o samba paulista do entregador de marmitas Adoniran Barbosa e o do conjunto mais longevo da América Latina, os Demônios da Garoa. Durante a faculdade conheci o resto: a magia dos sambas enredo do carnaval do servente de pedreiro Cartola e do engraxate Jamelão, do samba do morro do policial Nelson Cavaquinho, o samba de fundo de quintal, posteriormente chamado de pagode, de onde veio o suburbano Zeca Pagodinho , o samba de partido alto, de onde surgiu o cadete da aeronáutica Arlindo Cruz, o samba de raiz cantado pela professora de música Beth Carvalho ou pela professora normalista Alcione, o samba de breque do chofer de taxi e de ambulância Moreira da Silva.
Tem ainda o samba de roda de Edith do Prato, ama de leite de Caetano e Bethânia, o samba canção do bedel Lupicínio Rodrigues e do boxeador Nelson Gonçalves, o samba bossa nova do maestro Tom Jobim e do diplomata Vinícius de Moraes, o samba choro do eletricitário da Light Waldir Azevedo (Brasileirinho), o samba exaltação do advogado Ary Barroso e o primeiro samba, o maxixe “Pelo Telefone” do oficial de justiça Donga.
Falta bastante coisa: gafieira, samba de roda, samba de terreiro, samba funk, sambalanço, samba jazz, samba rap, samba reggae, sambalada, sambolero, samba burro, sambassim e tantas outras.
Talvez só o rock tenha tanta riqueza e tantas variações. Não me faço de rogado: toda vez que eu escuto alguma música esquisita, para rebater, escuto samba. Vacina das boas. Tiro e queda!
Autor