Não basta ser pai...

Menino de aproximadamente 10 anos, uniformizado com chuteira, calção branco com listras vermelhas nas laterais e camisa branca estampando escudo do time do lado esquerdo do peito e faixa transversal vermelha, tenta acordar o pai que resiste, mas acaba se rendendo ao apelo da criança e desperta sonolento e esfregando os olhos. Em seguida, o dorminhoco, já vestido, abre o zíper de uma bolsa de primeiros socorros e retira uma bisnaga de pomada ou creme cujo nome não é possível identificar. No momento seguinte surge o time do garoto entrando em campo e sendo ovacionado pela torcida ao redor do terrão, que deveria ser um gramado e, principalmente pelo pai que está com a filha mais nova ao colo. Jogo iniciado, o garoto do filme embora contrariado e aborrecido, é substituído causando indignação ao pai e à irmãzinha. Começa a chover e pai e filha se abrigam sob uma pequena sombrinha infantil. O garoto, depois de duas tentativas frustradas, novamente é chamado para participar da contenda. Todo feliz, faz o sinal da cruz e adentra ao campo sob chuva forte. Na primeira jogada, sofre uma entrada dura dentro da área no que o árbitro marca pênalti. O pai correndo adentra o gramado para socorrer o filho e aí entra em cena a tal bisnaga da pomada milagrosa que finalmente é mostrada em close (diferente dos spray´s usados nos dias de hoje) e, que é aplicada no local da contusão, ou seja, na coxa direita logo acima do joelho. Já restabelecido, o mesmo menino que sofrera a infração se dirige para a marca fatal para a cobrança da penalidade. A chuva continua e o campo é um verdadeiro lamaçal. O juiz apita, a irmãzinha tapa os olhos e todos em volta do gramado, quer dizer terrão encharcado, estão ansiosos e na maior expectativa, até que, finalmente o chute certeiro à meia altura no canto direito do goleiro faz a bola parar no fundo da rede. A vibração é geral e o garoto sai em disparada em direção aos braços do pai que, nessa altura já invadiu o campo. A imagem para aí e uma voz masculina em off diz: “Não basta ser pai, tem que participar. Não basta ser remédio, tem que ser gelol.” Essa é a história de um lindo comercial que marcou época, feito pela agência DM9, no ano de 1984, que pode ser visto acessando: https://www.youtube.com/watch?v=LvrTjwYh-l8&ab_channel=PropagandasHist%C3%B3ricas, cuja frase final “Não basta ser pai, é preciso participar...” (provavelmente inspirada na célebre frase dita por Rui Barbosa, "Não basta protestar: é preciso ter razão.”), desde então tornou-se icônica no país. Coincidência ou não, fato é que o dia dos pais começou a ganhar importância a partir da década em que surgiu o comercial (oitenta), embora oficialmente viesse sendo discretamente comemorado em nosso país desde 1953, quando o publicitário Sylvio Bhering teve a iniciativa de importar a ideia. A data escolhida por ele – 14 de agosto – tributa homenagem ao aniversário de São Joaquim (pai de Maria e avô de Jesus), considerado o patriarca da família. Curiosamente, diferentemente daqui, o dia dos pais é festejado no terceiro domingo de junho em diversos países do mundo. Além dos Estados Unidos, também na Inglaterra, Canadá, França, Países Baixos, Macau, Malásia, África do Sul, Argentina, Peru, México, Chile, Equador e Índia. Outros países têm datas próprias para a comemoração. Fato é que, cada um de nós tem alguma lembrança do presente que deu ou mesmo não pôde dar no dia dos pais, ainda que essa lembrança não vá além da memória afetiva. Para o comércio, a data não é tão festejada como o dia das mães, embora não faltem alguns comerciais anunciando produtos ou mesmo institucionais em alusão à efeméride. Nas escolas, as crianças especialmente do maternal, são orientadas a produzir algum desenho ou cartão para os pais, criando assim uma cultura em relação à importância da data. No futuro, quando essas crianças pais também forem, quem sabe se lembrarão que um dia passaram pela mesma experiência de ser filho. Se o comercial, há quase trinta anos criou a célebre frase de que não basta ser pai, a vida nos ensina que também não basta ser filho, é preciso visitar, abraçar, homenagear e ir além, enquanto o pai estiver vivo, porque amanhã poderá ser tarde! Como alguém escreveu um dia: – “Se Jesus Cristo mesmo sendo perfeito, sentia necessidade de orar constantemente ao PAI, imaginem nós, tão imperfeitos, o quanto dependemos dessa comunicação.”

Autor

José Carlos Buch
É advogado e articulista de O Regional.