Nada Será Como Antes

Será mesmo que a noite do Ano Novo consegue deixar tudo para trás para iniciarmos o ano zerados? Qual é a dinâmica que sustenta esta nossa fantasia diante da passagem do ano?

Bion, um autor fundamental na psicanalise sempre nos alertou para o fato de que a psicanálise pensa a vida e deve servir para ampliar o contato com nossa realidade psíquica, tão fundamental para podermos nos aproximar de nossa própria intimidade.

O papel da parada do ano novo no crescimento ou na deterioração psíquica, e a questão de como podemos lidar criativamente com a perspectiva da passagem do tempo, permite que possamos ampliar nosso contato com a riqueza da vida e com nossas verdadeiras intenções, sobre o que vamos fazer com nossos desejos e com nós mesmos. Planejar é uma ferramenta de aproximação entre o que queremos e o que vamos fazer para realizar.

O caminho de parar para pensar, celebrar e refletir sobre, nos coloca em contato com nossos desejos onde a prática de ritualizar as datas nos permite entrarmos em contato com nossa subjetividade, uma pausa que sempre faz bem.

Não é o tamanho da festa que dirá o quanto ela vai privilegiar o ano que entra, mas sim entrar em contato com nós mesmos, buscando conexão entre o que queremos e o quanto estamos nos conectando com nossos desejos, que no ato de ritualizar, nos permite estabelecer conexão e nos faz consciente do tempo, das ações e mudanças para conquistarmos o que desejamos.

Celebrar pode ser apenas fazer uma oração, acender uma vela, tomar um champagne, colocar roupa branca, pular ondas, buscar o silêncio, reunir amigos e familiares, enfim, estar na disposição de fazer uma pausa para olhar para dentro e entender o que de fato queremos, mesmo não tendo certezas.

Dostoiévski dizia por meio de um de seus personagens: “Somos assim, sonhamos o voo, mas tememos a altura. Para voar é preciso ter coragem para enfrentar o terror do vazio porque é só no vazio que o voo acontece. O vazio é o espaço da liberdade, a ausência de certezas e isto é o que tememos: o não ter certezas”.

A pausa na passagem do ano nos ajuda a pensar no que podemos reinventar de nós mesmos, quais são as metas e planos, pensando também nas conquistas que iremos introduzir para o ano que se inicia, podendo estabelecer um cálculo com nosso relógio biológico, às vezes cheio de incertezas, mas certamente uma atitude extremamente importante para nossa saúde mental. Feliz Ano Novo!

Em tempo, este texto foi escrito ao som da música: “Nada Será como Antes” com Milton Nascimento e Beto Guedes.

Autor

Claudia Zogheib
Psicóloga clínica, psicanalista, especialista pela USP, atende presencialmente e online. Redes sociais e sites: @claudiazogheib, @augurihumanamente, @cinemaeartenodivã, www.claudiazogheib.com.br e www.augurihumanamente.com.br | Foto: Renato F. de Araujo @renatorock1 ©