Mulheres Machistas: Ecos do Patriarcado em Almas Silenciadas

Desde o relato bíblico de Adão e Eva, a sociedade tem construído narrativas que moldam o papel das mulheres. Ainda que Eva seja frequentemente representada como a origem do "pecado", essa interpretação já carrega em si uma estrutura patriarcal: a culpabilização feminina. Contudo, o mais intrigante é como, ao longo dos séculos, mulheres têm internalizado esses mesmos valores, perpetuando o machismo em seus discursos e práticas. Vamos explorar essa dinâmica através do tempo.

No âmbito religioso e cultural, Eva foi considerada como uma figura submissa e culpada. Essa narrativa alimentou estruturas sociais em que o homem detinha o poder, e as mulheres eram relegadas à esfera privada. Muitas vezes, para sobreviver nesse sistema, as próprias mulheres acabaram reforçando essas normas, ensinando suas filhas a "se comportarem" e perpetuando regras que limitavam a liberdade feminina.

Na Idade Média, por exemplo, a figura da "boa mulher" era aquela que se submetia ao marido e seguia os dogmas religiosos. As próprias mães ensinavam suas filhas a se casarem cedo, a servirem seus maridos e a aceitarem o sofrimento como parte natural da condição feminina. Mulheres que fugiam desse padrão muitas vezes eram denunciadas como "bruxas" — por outras mulheres, que viam nelas uma ameaça à ordem estabelecida.

Com o advento da Revolução Industrial, mulheres passaram a trabalhar fora de casa, mas muitas ainda defendiam a ideia de que seu lugar era no lar. Escritoras da época, como algumas moralistas vitorianas, produziram manuais de conduta que reforçavam a inferioridade feminina. Curiosamente, essas mulheres eram frequentemente respeitadas por homens, pois ajudavam a manter as estruturas patriarcais intactas.

No século XX, com a luta pelos direitos femininos, como o sufrágio e o acesso ao mercado de trabalho, o machismo feminino passou a se manifestar de forma mais sutil. Algumas mulheres criticavam o feminismo, alegando que ele destruía as "boas tradições familiares". Esse discurso muitas vezes era motivado pelo medo de perder seu lugar em um sistema que lhes oferecia segurança, ainda que às custas de sua autonomia.

Hoje, no século XXI, vemos exemplos de mulheres em posições de poder que adotam práticas machistas, como descredibilizar outras mulheres, negar a existência de desigualdades de gênero ou perpetuar estereótipos de gênero, especialmente relacionados à aparência, reforçando a ideia de que o valor feminino está ligado à beleza que limitam o papel feminino na sociedade, mudando os aspectos superficiais em vez de destacar suas capacidades intelectuais. Essas atitudes mostram que o machismo não é uma questão exclusivamente masculina, mas uma estrutura que atravessa gêneros e gerações.

Outro fenômeno preocupante dentro desse contexto é a litigância abusiva em casos de violência, onde mulheres advogadas defendem homens em ações processuais que envolvem situações de agressão ou abuso contra mulheres. Essas profissionais, muitas vezes, utilizam estratégias que visam desacreditar as vítimas, reforçando estigmas e preconceitos. Sendo elas mulheres, é esperado que demonstrem empatia por outras mulheres e que se posicionem contra a violência de gênero, em vez de advogar em favor de homens violentos. Essa falta de solidariedade feminina reflete como o machismo ainda pode enraizar comportamentos que perpetuam a opressão.

Desconstruir o machismo feminino requer educação e empatia. É fundamental que as mulheres reflitam sobre como suas crenças e ações podem estar perpetuando desigualdades. Incentivar o diálogo, promover a sororidade e reconhecer os impactos históricos do patriarcado são passos essenciais para mudar esse cenário.

A linha do tempo desde Adão e Eva até os dias atuais mostra que o machismo feminino é um reflexo das estruturas sociais que oprimem não apenas as mulheres, mas também os homens, reforçando a ideia de que eles devem ser sempre fortes, contidos emocionalmente e provedores financeiros A verdadeira emancipação virá quando todos, independentemente de gênero, se comprometerem a desconstruir essas dinâmicas opressoras. Superar isso exige que todos reflitam sobre os preconceitos que internalizamos e promovam relações mais igualitárias e livres de estereótipos.

Autor

Ivete Marques de Oliveira
Psicóloga clínica, pós-graduada em Terapia Cognitivo Comportamental pela Famerp